1.º de Maio

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A cartilha teórica e a ação do neoconservadorismo e do neoliberalismo que vão subjugando as pessoas e as sociedades alimentam-se muito de dois fatores: 
(i) um exercício permanente de apagamento da memória a partir de releituras de factos e contextos históricos, para nos parecerem novas as velharias que causaram dor e repúdio;
ii) a apresentação das suas propostas como únicas, convidando assim os seres humanos a submeterem-se, a distanciarem-se da responsabilidade de pensarem livremente, de democraticamente construírem caminhos alternativos.

Quando, há 130 anos, os trabalhadores de Chicago e os seus dirigentes foram massacrados por reivindicarem 8 horas de trabalho diário e o início do reconhecimento de direitos essenciais que hoje qualquer “liberalão” diz não pôr em causa, já décadas de humilhações e sofrimento haviam sido impostas. E um penoso caminho iria ser percorrido até que, em 1944, se plasmasse o compromisso universal de que “o trabalho não é uma mercadoria” (Declaração de Filadélfia). Só muito lentamente, em particular ao longo do século XX, se foram instituindo (o que não significa prática imediata) os direitos a um horário de trabalho de 8 horas diárias, a salário efetivo, à eliminação do trabalho infantil, a proteção mínima para as mulheres, ou o reconhecimento do Direito do Trabalho como ramo específico do Direito, da liberdade sindical e do papel indispensável da negociação coletiva. A proteção na maternidade ou na doença, o reconhecimento de direitos sociais fundamentais, do direito ao trabalho, a proteção no desemprego, a igualdade entre homens e mulheres e muitos outros, surgiram muito mais tarde.

Já no século XIX os patrões e a maior parte dos governantes bradavam contra os “trabalhadores malandros” e contra os sindicatos e diziam que era preciso “sacrifício” para as empresas serem competitivas. E juravam que melhorariam os salários logo que houvesse mais riqueza para distribuir. Mas as condições de vida dos trabalhadores e dos povos só melhoraram com a luta, depois de muita repressão, de horrores e guerras que podiam e deviam ter sido evitados.

Quando em 1919, no rescaldo da I Guerra Mundial, foi criada a Organização Internacional do Trabalho ficou vincado que a guerra tinha surgido no contexto de uma sociedade profundamente injusta, em resultado da exploração desmedida do trabalho, e que essa injustiça era a maior ameaça à paz. Por isso, o compromisso para que governos, patrões e sindicatos participassem, em pé de igualdade, nessa importantíssima organização mundial que havia de ser referência para a constituição da ONU (nela se integrando) e para a formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Os direitos dos trabalhadores e o movimento sindical são património inalienável das sociedades modernas e democráticas. Na emergência de uma nova era, seria dramático se, apesar do extraordinário avanço do conhecimento, das tecnologias, da automação, da capacidade incomparável de se criar riqueza e a poder distribuir melhor, nos deixássemos embalar pelas cantilenas que nos conduzem ao retrocesso.

Chega de mentiras! Os trabalhadores portugueses e as suas famílias fizeram sacrifícios em nome de melhores condições para as gerações futuras e quais os resultados? Os milhares de milhões de euros que saíram do trabalho para o capital desaguaram na criação de emprego ou no aumento das fortunas de alguns, escondidas em offshore? A imposição de baixos salários e precariedades aos trabalhadores mais jovens é para os ajudar? A diminuição do investimento cria emprego no futuro? A destruição de atividades produtivas favorece a quem? Menor investimento na saúde, no ensino, na proteção social beneficia gerações futuras? Então não é uma evidência que a emigração empobrece e incapacita o país?

Neste Dia do Trabalhador, com a memória projetada para o futuro, com responsabilidade, vamos manifestar-nos, exigindo trabalho digno e justa distribuição da riqueza.

Manuel Carvalho da Silva
Opinião 01.05.2016