A propósito deste dia e do tema da campanha deste ano lançada pela ONU “QUEBRA A CADEIA DE CORRUPÇÃO”, lembrei-me deste artigo que escrevi a pedido de alunos meus do 12.º ano para o jornal que criaram em 2010.
CORRUPÇÃO, ECONOMIA E DEMOCRACIA
Todos nós temos uma ideia sobre o que é a corrupção e, certamente, essa ideia capta alguma(s) das dimensões duma realidade que é complexa e transversal a todos os países e sociedades. Também temos a ideia de que a corrupção tem custos, ou seja, de que há ligação entre a corrupção e o funcionamento da economia. Será que a corrupção contribui para a situação preocupante das finanças públicas do nosso país? Será que a qualidade de vida dos portugueses seria melhor, se não houvesse corrupção? Seríamos um país mais desenvolvido?
Com grande probabilidade, as respostas a todas estas questões serão afirmativas. E por quê? Porque, por exemplo, a corrupção envolve o desvio de recursos públicos para benefício privado de alguns, implica a má utilização desses recursos, subvertendo a definição das prioridades políticas e distorcendo as escolhas públicas, e afecta negativamente o crescimento económico e o desenvolvimento do país. Neste contexto, a corrupção surge como um crime contra o desenvolvimento, um crime contra os contribuintes, um crime contra os cidadãos, em geral. Contudo, a corrupção tende a ser encarada como uma criminalidade difusa, “um crime sem vítima”.
Embora a corrupção não seja exclusiva das instituições públicas, é a estas que geralmente nos referimos quando dela falamos. Os “escândalos de corrupção” que, recorrentemente, abrem noticiários aumentam a percepção de que este tipo de fraude existe. A lentidão da justiça e a incapacidade que o Estado vai revelando para a combater e punir abalam a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, criam instabilidade política e alimentam uma cultura de impunidade. À indignação suscitada pelas notícias, sucede a resignação, a indiferença e, em maior ou menor grau, a tolerância/aceitação em relação a um problema que deixamos de considerar como sendo nosso, também. Vamos catalogando como corruptos os outros – nomeadamente os que têm poder (“o poder corrompe”) -, desistimos de lutar contra a corrupção e justificamos até algumas atitudes “menos éticas” que tomemos como resultando do ambiente em que somos forçados a viver ou, mais apropriadamente, a sobreviver.
Vai-se gerando, assim, a percepção de que a corrupção é um mal social, uma “fatalidade”, a que o Estado não consegue pôr cobro e contra a qual nada podemos fazer. À “falha” do Estado alia-se o “colapso” dos indivíduos e dos grupos. Desenvolve-se uma cultura cívica de apatia, propiciadora de um ambiente social e institucional cada vez mais favorável à propagação da corrupção.
O desafio que a corrupção nos coloca é um desafio de cidadania. Como podemos contribuir activamente para construir um ambiente institucional e social menos propenso à corrupção?
Como ponto de partida, reflictamos sobre os nossos comportamentos individuais e de grupo e relacionemo-los com causas da corrupção e da sua propagação. Será que, nas nossas actividades quotidianas, escolhemos frequentemente “fazer menos” do que a ética exige e “fazer mais” do que as leis e normas de conduta social permitem? Por exemplo: devolvemos o troco errado que recebemos ao empregado do café ou da loja? Sorrimos quando nos dizem que o presidente do nosso clube está envolvido em negócios obscuros de compra e venda de jogadores? Plagiamos os trabalhos dos outros? Copiamos nos testes? Fazemos da “cunha” e do “mexer os cordelinhos” um modo de vida? Remetemo-nos ao silêncio quando temos conhecimento de actos de corrupção?
Isabel Godinho
Membro do Conselho Fiscal da APRe!