A Direcção da APRe!, no passado dia 15, marcou presença na 10ª Comissão – CTSS XIII – da Assembleia da República onde apresentou o seu contributo relativamente à Criação do Estatuto do Cuidador Informal e ao reforço do apoio às pessoas em situação de dependência.
Porque, a nosso ver, é um assunto da maior importância, enviámos esse mesmo contributo escrito ao Grupo de Trabalho da referida Comissão:
Pl’A Direcção
O Vice-Presidente
Fernando Martins
Sobre o Estatuto do Cuidador Informal
A evolução demográfica é pouco auspiciosa em Portugal com a baixa taxa de natalidade que continuamos a ter, com a emigração de jovens que nos últimos anos foi avassaladora e com o índice de envelhecimento a crescer.
“Este País Não é Para Velhos” que hoje ainda vislumbramos nalguns indicadores tem de converter-se na exigência de que “Este País é TAMBÉM Para Velhos”.
Não são só as pessoas mais velhas que necessitam de cuidados mas também as pessoas de todas as idades que sofrem de doenças físicas e mentais, ou das mais diversas incapacidades e demências.
O relatório da OCDE publicado no dia 12 do mês em curso revela que o número de casos de demência nos países que fazem parte desta organização duplicará até 2050, a não ser que se encontre uma cura o que, por ora, não se perspectiva. No espaço de três décadas a projecção do relatório é a de que de 19 milhões de casos passaremos para 40,5 milhões de casos de demência, indicando o envelhecimento da população como o principal motivo.
Actualmente, são já os familiares das pessoas que necessitam de cuidados que absorvem a maioria do impacto, assumindo diariamente o papel de cuidadores.
Esta realidade exige uma resposta do Estado que, entre outras medidas, se deve traduzir num aumento de camas de cuidados continuados, numa articulação de cuidados no domicílio através de equipas especializadas, aproximando estes apoios das reais carências. Não havendo uma cobertura eficaz de cuidados através de Instituições de cuidados formais e porque é também um direito optar por envelhecer na sua residência, o Estado tem a obrigação de proteger os cuidadores informais que, anonimamente, têm prestado e prestam um serviço de elevado mérito e de grande valor económico.
Para se poder ser cuidador informal de forma equilibrada é preciso que se constitua uma rede social de apoio bem forte e estruturada.
Em Dezembro de 2015 a Entidade Reguladora da Saúde concluiu que Portugal tem a “menor taxa de prestação de cuidados não domiciliários” da Europa e “uma das menores taxas de cobertura de cuidados formais”.
Os apoios domiciliários em Portugal prestados por IPSS’s (Instituições Particulares de Segurança Social) não respondem à globalidade das necessidades diárias porque cuidar, como todos sabemos, vai para além do fornecimento de refeições, limpeza doméstica e cuidados de higiene.
80% da assistência prestada às pessoas que sofrem de incapacidade, parcial ou total, é prestada no domicílio por familiares, vizinhos e amigos que, voluntariamente, se disponibilizam para prestar esses cuidados. Presume- se que sejam mais de 800.000 os cuidadores informais em Portugal, um trabalho quase invisível e, por isso, um grupo silenciado e socialmente excluído.
Cuidar de um familiar idoso ou incapacitado nem sempre é feito por opção mas, algumas vezes, por falta de opção, ou seja, por dificuldades em ter apoios institucionais como ajuda ou alternativa. As famílias, tendo embora o dever de solidariedade, confrontam-se com as dificuldades de terem a seu cargo a total prestação de cuidados aos familiares com necessidades especiais, nomeadamente quando, por serem mais velhos, perderam alguma autonomia que lhes permita executar, por si mesmos, as tarefas básicas diárias.
Sendo certo que a maior parte dos cuidadores informais o fazem por amor, facto é que as tarefas são executadas por instinto, sem terem tido a possibilidade de uma adequada formação ou preparação, deparando-se com escassos apoios dos Centros de Saúde e da Segurança Social, quer em termos de equipamentos, quer em termos económicos.
Há, pois, o dever de satisfazer as necessidades dos cuidadores informais através de medidas específicas que deverão abranger os diferentes tipos de cuidados a prestar, tendo em conta as diferentes e complexas doenças ou situações de dependência que requerem uma assistência de proximidade.
O Estatuto do Cuidador Informal deve acautelar também:
- a possibilidade de redução de horário de trabalho ou horário flexível;
- a atribuição de um subsídio ao cuidador de forma a compensar as despesas adicionais associadas à prestação de cuidados e à redução dos horários de trabalho;
- benefícios fiscais e redução de taxas para os cuidadores e pessoas cuidadas;
- o reconhecimento do tempo de prestação de cuidados para a contagem de tempo e carreira contributiva;
- a garantia ao descanso semanal e anual, sendo substituído por cuidadores formais/serviços de apoio domiciliário;
- acesso a licenças sem vencimento por questões de emergência relacionadas com o cuidado;
- atribuição de benefícios fiscais para as empresas “amigas” dos cuidadores informais;
- linha de apoio permanente ao cuidador informal;
- desenvolvimento de uma rede de apoio aos cuidadores informais com base nos serviços públicos, designadamente nas áreas da saúde, trabalho e segurança social.
O Estatuto do Cuidador Informal tem, em nossa opinião, de ser muito mais do que a atribuição de benefícios fiscais, licenças de emergência ou horários flexíveis.
Deve, por isso, estatuir as condições em que é garantida a continuação da carreira profissional do cuidador, a preservação da sua vida pessoal e familiar, o seguimento da sua participação social, o direito à preservação da sua saúde física e mental.
É preciso acautelar que os cuidadores informais não sofram qualquer tipo de “diferença” de tratamento no mercado de trabalho, nomeadamente garantir a forma de não perderem os seus direitos laborais.
Acresce ainda a imperiosa necessidade do apoio efectivo de profissionais de saúde nas unidades de cuidados de saúde e/ou no domicílio, mediante um plano de apoio definido pelo médico, enfermeiros e serviço social do SNS (Serviço Nacional de Saúde) que seguem o doente, englobando cuidados de higiene diários, apoios com equipamento adequado, apoios médico e de enfermagem, apoio psicológico devendo, dentre o pessoal especializado ser designado um profissional para ser o contacto privilegiado com o cuidador.
O Estatuto do Cuidador Informal não pode contribuir para que esta “função” tenha um carácter profissional, ou seja, que contribua para desresponsabilizar o Estado das suas obrigações sociais mas deve contribuir para cuidar do cuidador tendo em conta a situação específica de quem é cuidado.
A invisibilidade de quem cuida leva à invisibilidade de quem é cuidado.
19 de Junho de 2018
Pl’A Direcção da APRe!
O Vice-Presidente,
Fernando Martins