Estão em causa cerca de 8 mil pessoas que se reformaram antes da idade legal e que têm pensões inferiores ao limiar de pobreza
O Bloco de Esquerda está a negociar a inclusão, no Orçamento do Estado para 2018, de um complemento de reforma dirigido às pessoas que se reformaram antecipadamente, mas que viram a sua pensão sofrer cortes significativos (nalguns casos superiores a 50% do valor) por causa do agravamento das penalizações determinado em 2014.
A proposta que o BE tem em cima da mesa – e que está ainda a ser afinada – difere da que o partido levou para as negociações com o governo e que antecederam a entrega do OE na Assembleia da República. Se antes o objetivo era compensar o corte das pensões por via do fator de sustentabilidade que foi aplicado a quem se reformou antecipadamente enquanto o anterior governo esteve em funções, o que se pretende agora é criar um complemento que assegure a estes pensionistas, pelo menos, um valor de rendimento mensal equivalente ao limiar da pobreza (439 euros por mês). Inicialmente estimava-se que a medida custasse 48 milhões de euros, mas o novo valor deverá ser menor.
Em causa estão, como referiu ao Dinheiro Vivo o deputado do BE José Soeiro, pessoas que se reformaram (algumas na sequência de desemprego, mas sem reunir as condições de reforma dos desempregados de longa duração) antecipadamente e que estão a receber pensões cujo valor ronda os 200 euros mensais. Muitos destes pensionistas, acentua ainda o deputado, apesar de terem muitos anos de descontos, ficaram com pensões de miséria e não conseguem aceder ao complemento solidário para idosos por não terem idade para beneficiar desta prestação social. O CSI apenas pode ser requerido por quem tem mais de 65 anos de idade e está sujeito a regras de condição de recurso. As condições em que o novo complemento poderá ser atribuído (se a proposta vier a ser vertida na versão final do Orçamento do Estado, cuja votação está agendada para dia 28 deste mês) estão ainda a ser trabalhadas. Os anos da carreira contributiva além dos 40, por exemplo, poderão ser um fator de diferenciação.
Os cerca de oito mil pensionistas que foram identificados são pessoas que se reformaram de 2015 em diante, quando o acesso às saídas antecipadas da vida ativa voltou a ser reposto. Em abril de 2012, sem aviso prévio e na véspera do fim de semana da Páscoa, o governo PSD e CDS-PP decidiu suspender o acesso às reformas antecipadas a quem tinha 55 anos de idade e 30 de carreira contributiva.
Em janeiro de 2015 foi criado um regime transitório que passou a permitir as saídas antecipadas quando as pessoas já tinham 60 anos de idade e 40 de descontos, só que este descongelamento parcial foi precedido por uma alteração das regras da aposentação, realizada em 2014. Nessa altura foi decidido aumentar a idade legal da reforma dos 65 para os 66 anos e indexá-la ao fator de sustentabilidade, fazendo que, daí em diante, fosse este fator a determinar a idade legal.
É isso que faz que atualmente a idade da reforma já esteja nos 66 anos e três meses de idade e que no próximo ano avance mais um mês. Além disto, o fator de sustentabilidade foi também alterado (passando a ter por referência a esperança média de vida em 2000 e não em 2006) e a penalização subiu. Estas mudanças vieram somar-se à penalização de 0,5% por cada mês de antecipação face à idade legal da reforma.
Em 2016 este regime transitório acabou (porque foi legislado para durar apenas um ano), regressando o que abria a porta às saídas aos 55 anos de idade e 30 de descontos. Os cortes ainda mais extremos que as pensões começaram a registar fizeram soar campainhas e, ainda em janeiro, o ministro Vieira da Silva anunciou que iria ser reposto o regime transitório, o que veio a suceder em março, e que passaria a ser necessário que os beneficiários fossem ouvidos e informados sobre o valor da pensão que iriam receber para o resto da vida, sucedendo que apenas depois da sua manifestação expressa o pedido era deferido.
Na ocasião, o ministro do Trabalho e da Segurança Social deu exemplos de pessoas que estavam a reformar-se com 55 anos de idade e 30 de descontos e cuja reforma rondava os 176 euros.
Entretanto, no dia 1 de outubro, o atual governo avançou com um novo regime de reformas antecipadas para as carreiras contributivas muito longas (acessível a quem tem mais de 48 anos de descontos ou começou a descontar aos 14 anos ou idade inferior e tem agora pelo menos 60 anos), determinando que nestas situações não há lugar a qualquer corte.
Lucília Tiago
Ler mais em: Dinheiro Vivo 02.11.2017