A progressiva perda de confiança na classe política tem aumentado nas últimas décadas em todos os países ocidentais, refletida de modo brutal no aumento constante da abstenção, a partir dos anos 80 do séc. XX.
As razões desta aparente apatia são vastas e complexas. As ideologias robustas de contornos precisos que caracterizaram a organização dos partidos políticos e governos durante décadas (definindo posicionamentos políticos sólidos e homogéneos) foi esmorecendo a par do surgimento de novas aspirações e posturas cívicas menos comprometidas com soluções totais e definitivas, mais apostadas nas causas pontuais e transversais. As identidades políticas dos cidadãos tornaram-se mais fluidas, mais individualizadas e flutuantes, e a relação estreita entre o partido político e a identidade social mais diluída.
Esta nova constelação paradigmática é em tudo devedora de uma nova conjuntura internacional que produz efeitos no mundo da vida das pessoas, dos seus interesses e da forma como se perspetivam a si mesmas e ao seu futuro. O triunfo da economia de mercado, as alterações nas relações laborais, a globalização de bens, culturas e pessoas, as sucessivas crises financeiras, económicas e políticas que abalaram o Mundo instalam nos cidadãos, em primeira instância, a sensação de que a autoridade, o poder nas suas diferentes dimensões é hoje algo distante – transnacional – difícil de perceber e controlar. E quando as pessoas sentem que “não é possível mudar a sociedade” a militância política perde sentido ou canaliza-se para novas formas de participação em torno de outros temas.
Ainda que muitas vezes perdidas na confusão intensa das redes sociais, baralhadas pela informação superficial e distorcida que circula na Internet ou nos shows televisivos da política light, as pessoas têm hoje aspirações mais exigentes; e têm, acima de tudo, um nível de formação muito superior ao dominante nas últimas décadas do século passado. E esta é uma esperança e um facto que os “políticos” têm de compreender.
As autárquicas podem e deveriam abrir o caminho a uma democracia de melhor expressão, atenta. Uma democracia de proximidade, prolongada, para além do voto, numa dinâmica local, comunitária, inteligente e mobilizadora.
Rosário Gambôa