A privacidade acabou. Afinal, o que era a privacidade?

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Foi devagarinho. Primeiro vieram as câmaras de vigilância. Alguém imaginaria nos anos 80 que tudo o que se passava no Bairro Alto poderia sair do Bairro Alto? Era impossível.

Hoje, já acontece. As câmaras de vigilância, de resto, estão em todo o lado. O concelho da Amadora, por exemplo, é totalmente videovigiado.

Aquilo que era estranho ao princípio entranhou-se. Era preciso segurança: os cidadãos aceitaram em todo o lado trocar a privacidade pela segurança. É evidente que a segurança dos cidadãos é um bem maior, mas não deixa de ser uma rutura a extinção do valor da privacidade.

De resto, nem é preciso que o governo, o parlamento ou o Presidente aceitem uma lei como a dos metadados, que vai dar às forças de segurança acesso aos nossos computadores. Na realidade, através das redes sociais, os cidadãos de quase todos os países decidiram em bloco oferecer a sua privacidade de mão beijada, e uma grande parte das pessoas ainda julga, quando publica as fotografias dos filhos sem medos, que está a comunicar apenas com o seu – mais ou menos extenso – grupo de amigos.

É evidente que, sob o choque dos atentados terroristas que têm acontecido um pouco por toda a Europa (a distância que Eça de Queiroz esplendidamente retratou num dos seus contos faz-nos ignorar aqueles que acontecem diariamente noutros continentes), torna-se cada vez mais difícil que a defesa do direito à privacidade seja um assunto popular.

Na ressaca dos atentados de Nova Iorque, a comunidade internacional pactuou com a tortura que os Estados Unidos infligiam aos suspeitos de pertencer à Al-Qaeda, sem grande clamor. Obama, que tinha feito a promessa eleitoral de fechar Guantánamo – e assinou o decreto de encerramento logo em 2009 –, conseguiu cumprir dois mandatos eufóricos com a prisão em funções. Os terroristas estão a ganhar quando nos fazem abdicar de direitos fundamentais, como a recusa da tortura ou o direito à privacidade. E isso é o que estamos a fazer.

Ana Sá Lopes