Caloiro aos 77, doutor aos 85. Brasilino é “um caso de estudo”

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Defendida a tese de doutoramento sobre Antero de Quental, Brasilino Godinho apresentou uma proposta para que a Universidade dos Açores passe a ter o nome do escritor

De traje académico vestido, Brasilino Godinho chegou à Sala de Atos Académicos da Universidade de Aveiro cerca de uma hora antes de começarem as provas de doutoramento. Testou o equipamento informático e os auscultadores – para que nenhuma palavra escapasse – e, com toda a calma, cumprimentou grande parte da plateia: professores, colegas, familiares e amigos. Todos quiseram assistir ao realizar de mais um sonho do homem, de 85 anos, que ontem se tornou, muito provavelmente, numa das pessoas com mais idade a concluir um doutoramento. Um exemplo de “coragem e empenho”, como destacou o júri, “um caso de estudo” para as colegas do programa doutoral em Estudos Culturais.

Ontem foi um dia histórico. Só isso é que faria Cláudia Silva, de 39 anos, sair de casa e ficar longe do filho, recém-nascido. “É um momento imperdível. É uma inspiração. Dá-nos motivação para não deixarmos de acreditar nos nossos sonhos. Aqui está a prova que há sempre algo para construir”, disse ao DN a colega de licenciatura de Brasilino.

Na plateia, Geanine Escobar, de 27 anos, e Aline Marçon, de 39, ambas do mesmo programa doutoral, não poupavam elogios ao agora doutor, que tinha o hábito de distribuir poesia – e simpatia – pelos colegas. “É a primeira vez que vejo uma pessoa tão lúcida e ativa na academia com esta idade. No Brasil há estudantes idosos, mas isto é uma novidade”, sublinha Geanine. Destacando que o doutoramento trata questões como o envelhecimento ativo e o ócio, Aline considera que Brasilino é “como se fosse um caso de estudo”.

Foi aos 77 anos que o reformado, que tinha acabado de perder a mulher, se dirigiu à Universidade de Aveiro e, através do concurso para Maiores de 23 anos, ingressou na licenciatura de Línguas, Literaturas e Culturas. Terminou o curso em 2012 com média de 15 e quis prosseguir diretamente para o doutoramento, sem passar pelo mestrado. “Disse-me: Professora, não vai dar tempo. Ou vou já para o doutoramento, ou nunca o farei”, recordou ontem a orientadora da tese, Maria Manuel Baptista. Num longo texto, Brasilino solicitou ao reitor que o deixasse seguir para o programa doutoral, lembrando-o que foi ele que desenhou o sistema de escoamento de águas da Universidade de Aveiro. Mas foi o mérito, e não esse pormenor, que permitiu que se inscrevesse no doutoramento desenvolvido em parceria pelas Universidades de Aveiro e do Minho.

Ontem, Brasilino defendeu a tese “Antero de Quental: um Patriotismo Prospectivo no Porvir de Portugal” – aprovada por unanimidade pelo júri – e, no final, surpreendeu a plateia. Realçando que a memória de Antero de Quental merece ser “condignamente preservada e mui prestigiada”, leu uma proposta na qual sugere que a Universidade dos Açores, de onde o poeta era natural, passe a chamar-se Universidade Antero de Quental.

Exemplo de trabalho

Para Nuno Rosmaninho, co-orientador da tese, Brasilino é um exemplo de “grande trabalho e dedicação”. Ao longo das provas, os membros do júri felicitaram a sua “coragem e empenho”, assumindo que se tratava de “um momento histórico”. Quanto à tese, “uma escrita impecável”, “pensamento claro”. Quase “um manifesto”.

Brasilino Godinho reconheceu que é “um exemplo que deve ser aproveitado pela sociedade”. Agora que é doutor, recusa-se a baixar os braços. Uma das hipóteses é tirar um pós-doutoramento, outra é dar aulas. “É um acontecimento muito marcante na minha vida e que me deixa muito satisfeito”, disse à saída, evocando as recordações de infância a ler o DN. “Fiz a aprendizagem da leitura não só pelo que lia nas aulas, mas também pelo que lia no vosso jornal”.

Aos 15 anos, Brasilino já tinha lido autores como Platão, Aristóteles ou Kant. Com 16 quis ir para a universidade, mas o avô recusou suportar as despesas, o que o levou a adiar o sonho. “Ainda bem”, diz, porque nessa altura teria seguido engenharia. Entrou no mercado de trabalho como desenhador de construção civil e acabou por dedicar parte da vida à profissão de topógrafo e a projetar na área de engenharia. Mas as letras sempre o acompanharam. Escreve crónicas e já tem livros publicados.

Joana Capucho

Ler mais em: DN 06.07.2011