Em muitas coisas. Mas hoje olhamos em particular três decisões sobre Bancos em Portugal.
Convém lembrar que os Tratados Europeus dizem uma coisa muito simples no artigo 345º TFUE. Dizem que os Tratados em nada prejudicam o regime de propriedade de cada um dos Estados-Membros. Deve isto ser interpretado no sentido de que a nacionalização ou privatização de ativos e a sua gestão pública ou privada são decisões soberanas dos Estados-Membros, mas não é isto que nós vemos na prática, por exemplo, da aplicação das regras de concorrência.
O regime dos auxílios de Estado, da forma como ele tem sido interpretado e da forma como ele tem sido aplicado, favorece claramente soluções de desintervenção pública e torna muitíssimo difíceis, para não dizer impossíveis, soluções de intervenção pública, salvo quando essa intervenção pública preceda uma privatização do ativo ou beneficie claramente interesses privados.
Independentemente de onde nos posicionamos ideologicamente, a verdade é que os Tratados garantem esta margem de liberdade aos Estados-Membros. A prática da DGCOMP não a tem garantido e, portanto, há aqui um enviesamento de partida no próprio quadro e na forma como o quadro de auxílios de Estado é interpretado e aplicado. Ora, isto faz parte de todo um quadro conceptual que temos deixado que nos prenda, que presume que a opção pela gestão privada é sempre favorável em relação à gestão pela opção pública.
E essa interpretação e aplicação é tão contaminada por considerações ideológicas que temos três resultados diversos consoante o que convém.
No caso BANIF, isto é, para uma empresa que vai ser vendida a um privado, a DGCOMP automaticamente autoriza o auxílio de Estado sem levantar nem um décimo, ou talvez ainda menos, dos problemas que levanta normalmente. Desde que, claro está, o comprador não fosse a CGD. A CGD não podia ficar com o BANIF, mas o Santander pôde. Dão-se alvíssaras a quem perceber o que tem o segundo que a primeira não tenha, para lá de se saber que um é privado e o outro público.
Quando o Estado quer investir no capital da Caixa Geral de Depósitos, a DGCOMP tem uma série de restrições que vai impor, algumas delas quase punitivas, como seja o restringir da presença da CGD no mercado, com perda de balcões e pessoal expressivas, a imposição de condições comercias que limitam a capacidade da CGD competir no mercado e, por último, forçar o Estado a lançar uma emissão de dívida que, porque se destina a completar o aumento de capital e tem um regime de perdas totais em primeira linha, custa quase 10% ao ano de juros. Dizem que o Estado tem de investir nas condições em que um privado investiria.
Mas depois chegamos ao dossier NovoBanco e a regra passa a ser que o Estado até pode ficar com uma participação muito substancial no Banco, correndo os riscos de futuros aumentos de capital e de perdas no capital investido, mas não pode participar na gestão, nem tão pouco nomear administradores. Que privado investiria nessas condições? Nenhum. Mas esse critério deixou de interessar.
Da decisão da CGD à decisão do NovoBanco vão uns dias. O que mudou nas regras? Nada. Na interpretação delas? Tudo. O diferencial? Um ódio profundo à propriedade e gestão públicas da parte dos serviços da Comissão, que quer lá saber do que dizem os tratados, desde que se cumpra a sua mundividência neoliberal.
Na aplicação do regime dos auxílios de Estado a regra tem sido que o dinheiro do contribuinte serve, mas a gestão pública não. E é exactamente isto que os Tratados impedem. Até quando vamos fingir que não vemos?
Marco Capitão Ferreira