(Re)acreditar na Europa

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Vivemos um momento crucial do nosso futuro comum como europeus: uma encruzilhada, como outros o definiram, onde os vários caminhos, agora formalizados no Livro Branco da Comissão Europeia e outros menos claros, mas latentes, se posicionam como cenários de uma opção capital.

Como chegamos aqui? É, seguramente, uma análise necessária para percebermos o presente e o relançarmos como futuro. Os factos, esses, estão sobre a mesa, expostos na sua rudeza há muito tempo: a incapacidade real de fazer face a novos desafios operacionalizando respostas que apliquem e expandam, na atualidade, os princípios fundadores da União Europeia.

Confusa e desconexa no seu modelo de governação, constrangida por interesses particulares nacionais, ou anónimos, a Europa perdeu a força identitária de um projeto aglutinador de ação política coesa e firme.

A Europa projetou-se como Europa pela cultura, através de séculos de história e apuramento, não simplista nem linear, de uma carta de valores sociais e individuais consubstanciados na democracia e no Estado de direito – e aqui se ilumina o círculo central, inegociável, do seu projeto político reescrito pela UE.

É no manto plural da democracia e dos direitos individuais que a ciência, a arte e a cultura florescem e alimentam a inovação, o progresso social e económico.

Mas, tal como em outras áreas – segurança, defesa, justiça, emprego – o conhecimento implica um projeto coletivo, um plano claro, aberto, capaz de articular territórios e pessoas e de incluir e integrar pela discussão e pela partilha, num combate político à ignorância.

Não basta enunciar princípios e regras; os tratados europeus já o fizeram. É preciso exigência na sua realização efetiva, na aplicação de consequências em caso de violações, coragem politica. Mas não há coragem quando se usa Bruxelas como desculpa fatal de políticas que não se discutem; quando a vontade anónima dos mercados se sobrepõe aos princípios de inclusão social, à sustentabilidade económica ou ambiental. As palavras ficam vazias, os tratados passam a retórica esquecida nos arquivos.

Carecemos de firmeza na afirmação de uma identidade europeia feita projeto ético-político; firmeza contra a cobardia, o laxismo apático que reproduz a indiferença, libertando o medo e a boçalidade populista das verdades alternativas.

(Re)acreditar na Europa é ainda possível. “O futuro não nos cai do céu já feito. É preciso merecê-lo. Se não, é só o futuro dos outros” (Eduardo Lourenço).

Rosário Gamboa
PRESIDENTE DO POLITÉCNICO DO PORTO
Opinião JN 24.03.2017