Pedidos de suspensão de reforma à Caixa Geral de Aposentações estão a diminuir. A exceção é mesmo a área da saúde
Se os pedidos de suspensão de reforma à Caixa Geral de Aposentações feitos por quem quer voltar a trabalhar no serviço público têm descido nos últimos anos, o contrário tem acontecido na área da saúde. No final do ano passado estavam a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) 301 médicos reformados, o maior número desde 2010, quando o segundo governo PS liderado por José Sócrates criou regras diferentes das dos restantes aposentados. Os clínicos podem atualmente acumular a reforma com 75% do salário.
Desde então, todos os governos têm renovado a medida, com algumas alterações pelo meio. A última em 2016, quando o PS voltou ao governo e os ministérios da Saúde e das Finanças definiram que além da reforma, os médicos acumulam ainda 75% do vencimento correspondente ao escalão em que estavam e às horas semanais contratadas. E foi no ano passado que se alcançou num máximo de médicos reformados no ativo.
Segundo dados da Administração Central do Sistema de Saúde, a 31 de dezembro havia 301 médicos reformados aposentados a trabalhar no SNS. Em 2010 eram apenas 49, em 2011 o número cresceu para 156, em 2012 para 174, menos um do que os registados em 2013. No ano seguinte foram 201 e em 2015 foram 218. Já este ano foram autorizados 18 processos de contratação – para um total de 319 médicos aposentados no ativo – e havia no final de fevereiro outros 35 em tramitação.
Um dos casos de sucesso, talvez o mais emblemático, é o da própria criadora da medida. Ana Jorge, pediatra de formação com 67 anos, regressou ao “seu” hospital, o Garcia de Orta, em Almada, em 2012, quando deixou o Parlamento. Reformada dois anos depois, pediu para continuar a trabalhar. Na prática, nunca deixou o serviço. “Não queria ficar sem trabalhar e também precisava de um complemento da reforma… Alguns fazem trabalho na privada, mas há outras maneiras e eu optei pelo SNS. Até por gostar de fazer o que faço. A instituição também.” E o balanço é amplamente positivo. “Gosto do que faço, acho que o que desenvolvi foi interessante do ponto de vista da instituição e continuo a fazer. Em termos pessoais, tem sido gratificante” (ver entrevista).
O caso de João Nascimento é menos mediático mas não menos importante para o sistema. A reforma antecipada deste médico de 67 anos foi aceite em 2013, mas João só esperou um ano para voltar ao ativo. Médico de família, foi colocado no centro de saúde Olaio, em Odivelas, não muito longe do centro de saúde da Pontinha onde estava antes da reforma. “Falava-se na altura que iam existir penalizações importantes. Ia ficar pior e aceitei a reforma. Por estranho que pareça, depois de um ano parado senti necessidade de estar em contacto com os doentes e de fazer o que sempre gostei de fazer”, conta.
Da primeira vez que voltou decidiu ficar com o ordenado, que era superior à reforma. Por questões familiares voltou a sair por um ano e regressou em junho do ano passado, agora com a reforma e 75% do ordenado. “Tenho uma lista de 950 utentes, mas é natural que venha a aumentar até aos 1500 porque há muitas pessoas sem médico de família.” Não tem dúvidas de que a decisão que tomou de voltar ao SNS deixou todos a ganhar: os utentes e o próprio. “Para os utentes é muito compensador, podem contactar-me, é muito mais fácil e prático para eles, que passaram a ter uma referência. Para mim é compensador do ponto de vista pessoal, financeiro e estudo todos os dias”, diz. É a paixão pela medicina e o desafio diário que o move.
Apertar o cerco
Caminho inverso ao dos médicos tem acontecido com os pedidos de suspensão de reforma. A Caixa Geral de Aposentações (CGA) tem suspensos o pagamento de 115 reformas pelo facto de os respetivos titulares se encontrarem a trabalhar em serviços públicos e empresas públicas ou municipais. O número mais reduzido dos últimos quatro anos.
Em 2014 a CGA suspendeu o pagamento de 149 pensões pelo facto de estes reformados terem reiniciado funções em organismos ou empresas públicas. No ano seguinte, o número subiu para 165. Mas no ano passado contaram-se 150 destes casos. Este ano, segundo dados do Ministério do Trabalho e da Segurança Social enviados ao DN, são ainda menos: 115. São, ainda assim, quase o dobro dos 66 casos registados em 2010 quando as regras eram mais favoráveis do que as atuais.
O cerco à acumulação da reforma com trabalho remunerado começou a apertar-se em 2005, depois de ter vindo a público que o então ministro das Finanças Campos e Cunha somava no final do mês a sua reforma como quadro do Banco de Portugal com a remuneração de ministro. Em novembro de 2005 o Estatuto da Aposentação foi alterado, passando a determinar que nestas situações a pessoa podia optar por receber um terço da reforma e a totalidade da remuneração ou o inverso, dependendo da situação mais favorável. Ao mesmo tempo determinou-se que nos casos de reforma antecipada, esta acumulação era vedada.
Já durante o governo de Passos Coelho elimina-se a possibilidade de somar um terço à pensão ou remuneração, tendo os visados de optar se preferem receber a pensão ou o salário. Em 2014 as regras voltam a mudar, determinando-se que, a partir daí, a pensão é suspensa quando o reformado volta a funções ativas. A salvaguarda, nalguns casos, de situações que vinham do passado, levaram a que Cavaco Silva pudesse ter mantido o pagamento da sua pensão em vez de auferir a remuneração de Presidente da República durante o período em que ocupou o Palácio de Belém. A única exceção a esta regra são os médicos, a quem se mantém a possibilidade de receber a pensão e parte do salário.
Ana Maia
DN 12.013.2017
http://www.dn.pt/portugal/interior/ja-ha-mais-de-300-medicos-reformados-a-trabalhar-no-sns-5719204.html