A saúde da democracia depende da saúde do jornalismo. A sociedade necessita que a imprensa respeite a verdade
“Nada existe, exceto átomos e vazio, tudo o demais é opinião” Assim resumia Demócrito de Abdera, filosofo grego, as suas ideias sobre a estrutura da matéria às uns 2.500 anos.
Demócrito, para muitos considerado o pai da ciência moderna, também era conhecido pelo filósofo que ri, mas o sábio estaria longe de imaginar, como a sua sentença se viria a comprovar de forma tragicamente distorcida.
É verdade, a opinião, nos dias de hoje, mais que em qualquer outra altura da história, assume um atributo identificador de personalidade e de direito, mesmo para os que não têm opinião sobre coisa nenhuma, e uma velocidade para se difundir e arregimentar seguidores em todo o planeta, que a torne elemento decisivo para o julgamento de qualquer pensamento politicamente mais elaborado.
Hoje, as ideias, foram substituídas por opiniões bastardas de pais incógnitos, são populares porque afinal todos temos opiniões. A ideia precisa de reflexão e estar suportada átomo sobre átomo, até à construção da matéria que apaixone e mobilize.
A opinião atrevida e ignorante, sustenta-se de frenesim e crença, lança-nos sobre o vazio onde ficamos iludidos e indefesos. Os sound bites onde se refugia não são mais que onomatopeia.
A imprensa tem um desafio tremendo e uma enorme responsabilidade. Em todos os momentos de grande tragédia humana, os jornalistas foram sempre chamados e estiveram presentes a dar o melhor das suas convicções e coragem.
Responderam muitas vezes em circunstancias dificílimas, a um verdadeiro sentido de missão, de procurar e escrever a verdade. Mais que uma classe, são a extensão natural da liberdade e a palavra que é a sombra da ação.
Quando homens e mulheres resistiam enterrados vivos em celas, entre as trevas e o horror dos esbirros, mas os jornais talhados a chispas de luz e esperança, nos esperavam cúmplices a cada amanhecer, então sabíamos que tínhamos ganho.
A saúde da democracia depende da saúde do jornalismo. A sociedade necessita que a imprensa respeite a verdade. A diferença entre jornalismo e a informação cidadã, é que o jornalista tem a obrigação de corroborar os dados. Só assim os meios de comunicação terão credibilidade.
Estamos imersos numa mentira global. A internet permite a falsificação da informação, desde da mentira do sujeito que finge aquilo que não é no Facebook, até à construção de uma realidade paralela, sustentada na repetição e em uma adesão massiva que confirma mais que nunca a velha teoria da espiral do silencio de Noelle Newman.
O Papa Francisco, afirmou que produzir e consumir noticias falsas é como praticar coprofagia, ou seja comer fezes e pediu maior compromisso entre a verdade e os meios de comunicação.
Agradeço muito ao Papa que tenha falado sem receio e para abanar as consciências, independente do mal-estar hipócrita dos poderes instalados.
Estamos em plena época de mudanças vertiginosas provocadas pelos ratos dos computadores. A revolução digital, depois das “primaveras”, degenerou em reações nacionalistas e xenófobas.
Nas manifestações misturam-se, os partidos, os indignados, provocadores, antissistema, e também psicopatas que praticam o ódio em relação ao outro.
Para Zygmunt Bauman, filosofo polaco, socialista: “as redes sociais são uma armadilha que expressam a desconfiança dos cidadãos não só dos políticos corruptos ou estúpidos, mas também dos que simplesmente só são incapazes”.
Gurus e utilizadores usam as redes para se encerrarem em zonas de conforto onde o único som que escutam é o eco da sua voz, e onde o único que vêm são os reflexos da sua própria cara.
Muitos dos utilizadores da “nuvem” virtual, são como o galo que acreditava que o Sol nascia só para o ouvir cantar, sentem-se enormes na sua arrogante ignorância. São reis do mambo digital.
São narcisos que se olham ao espelho dos seus écrans e em vez de caçar javalis caçam pessoas, com a metralhadora das teclas, acoberto da anónima impunidade.
A ignorância, a vaidade, a pósverdade, e a fake news são irmãs e filhas do populismo.
Falar com alguém a quem vemos os olhos, é mais instrutivo de que com um anónimo cibernético. Um provérbio chinês diz que “é melhor ver a cara que escutar o nome.”
Desta luta que se adivinha, pela liberdade e pelos direitos, vencemos se formos armados da luz das ideias contra o nevoeiro impreciso onde se acoita o caudilho de traje populista seguido da procissão de cegos que já não querem ver.
Artur Pereira
Consultor de comunicação
Jornal i 02.02.2017