Os proprietários de imóveis de baixo valor e com poucos rendimentos que não residam na sua casa nem num lar e que vivam, por exemplo, com filhos deixam de beneficiar da isenção de IMI, segundo explicaram fiscalistas à Lusa.
Isto porque o código do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) faz depender a atribuição da isenção deste imposto do domicílio fiscal e a lei que regula o cartão do cidadão faz com que a morada que consta naquele documento sirva para todas as relações das pessoas com o Estado.
Actualmente estão isentos de IMI os imóveis destinados à habitação própria e permanente das famílias cujos rendimentos brutos anuais não superem 15.295 euros e que sejam proprietários de prédios cujo valor patrimonial tributário (VPT) global seja no máximo de 66.500 euros.
No entanto, a lei considera como prédio afecto à habitação própria e permanente aquele onde está fixado o respectivo domicílio fiscal, ou seja, a morada que constar do cartão do cidadão.
Graças a uma alteração introduzida em 2016, também os contribuintes que residam num lar de terceira idade podem beneficiar da isenção de IMI se cumprirem aqueles requisitos, desde que provem junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que o prédio em causa antes constituía a sua habitação própria e permanente.
Mas esta é a única salvaguarda prevista na lei, o que deixa fora casos como os de pais que vão viver para casa dos filhos, segundo explicou à Lusa o fiscalista Manuel Faustino.
“Uma pessoa idosa, por exemplo do Norte, que por necessidade de apoio familiar se transfira para uma grande cidade, como Porto ou Lisboa, onde tem os filhos, em cujas habitações passará a residir tem de alterar a morada do seu cartão de cidadão em conformidade para obter acesso ao Serviço Nacional de Saúde”, explicou o antigo director dos Serviços do IRS da Direcção-Geral dos Impostos.
O problema é que, “ao alterar a morada, estará também a alterar o domicílio fiscal e, consequentemente, reunindo as restantes condições, a perder a isenção de IMI”, porque “deixa de ter o domicílio fiscal na sua habitação própria e permanente”.
Para o fiscalista, “não se percebe por que razão, para situações que materialmente são idênticas, a lei parece tratar de forma distinta”.
Também o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Rogério Fernandes Ferreira entende que há uma “discrepância de isenção”, o que “implica algum sentimento de injustiça, até pelo enquadramento das isenções em causa, que visam prédios de reduzido valor patrimonial e sujeitos passivos de baixos rendimentos”.
Manuel Faustino diz ainda que esta lacuna da lei “não afecta só os idosos”, podendo também abranger jovens ou pessoas de qualquer idade que cumprem os requisitos do rendimento e do valor patrimonial tributário globais mas que, por qualquer razão, tenham de alterar a morada no cartão do cidadão.
“Uma pessoa que fique paraplégica e que seja institucionalizada tem de mudar a sua morada do cartão do cidadão para a da instituição para ter médico e aceder aos apoios sociais a que tiver direito. Só que, ao fazê-lo, pela mesma razão de comunicabilidade automática da alteração ao domicílio fiscal, deixa de preencher o requisito legal para manter a isenção de IMI”, exemplificou.
Isto porque, de acordo com a lei 7/2007, que criou o cartão de cidadão, “a morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência onde pode ser regularmente contactado”.
Mas a mesma lei determina que, “para comunicação com os serviços do Estado e da administração pública, nomeadamente com os serviços de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços da segurança social, o cidadão tem-se por domiciliado” na sua morada física que indica livremente e na qual pode ser regularmente contactado.
Na prática, isto quer dizer que, à luz das regras do cartão do cidadão, a morada que constar do documento é aquela que conta para todas as interacções com o Estado: é esse endereço que determina onde tem médico de família, onde vota e o que conta para atribuição de prestações sociais.
Em resumo, um proprietário que cumpra todos os requisitos para beneficiar da isenção do IMI mas que tenha de mudar a morada que consta do cartão do cidadão deixa de estar isento daquele imposto porque a redacção da lei não acautelou estes casos, tendo apenas salvaguardado os lares de idosos.
O especialista em impostos do património da Deloitte Ricardo Reis dá conta de uma outra situação de perda do direito à isenção do pagamento de IMI se se mudar de morada no cartão do cidadão: está prevista no Estatuto dos Benefícios Fiscais e refere-se à isenção para prédios urbanos construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, que sejam destinados a habitação.
O fiscalista destaca que este benefício “abrange muito mais pessoas porque os limites previstos são muito maiores” e afirma que, também neste caso, “tem de se ter a morada deste imóvel no cartão do cidadão” e, “se a mudar durante o período da isenção, perde o benefício”.
Ricardo Reis defende uma alteração legislativa que vá no sentido de “contemplar outros casos” em que as pessoas cumprem os limites de rendimento e de VPT globais do agregado, sublinhando que “a circunstância de haver uma só morada para ponto de contacto com o Estado é um ponto de eficiência importante que deve ser preservado”.
A Lusa contactou o Ministério das Finanças a propósito deste assunto, mas ainda não foi possível obter esclarecimentos.
LUSA
Jornal de Negócios 12.02.2017