Liberdade e igualdade

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A Assembleia da República realizou esta semana a última conferência de um ciclo de iniciativas organizadas com o fito de comemorar os 40 anos da Constituição de 1976. Este debate, organizado pela Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi dedicado aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais que se encontram inseridos no título III da Primeira Parte da Constituição que garante a proteção dos Direitos Fundamentais. Para este efeito, foram convidados constitucionalistas de reconhecida competência, provenientes de diferentes universidades nacionais e distintas correntes de pensamento, que confrontaram os seus pontos de vista sobre esta matéria que, desde os trabalhos da Assembleia Constituinte, sempre suscitou acesa controvérsia.

No essencial, a dita controvérsia funda-se na pretensão de que o exercício dos “direitos, liberdades e garantias”, apenas exigiria que o Estado não as comprima nem elimine, enquanto os direitos “económicos, sociais e culturais”, bem pelo contrário, sempre dependeriam da existência dos recursos financeiros disponíveis para os satisfazer. Assim, o direito à vida, a liberdade de aprender e ensinar, de criação artística, de escolha de profissão, de eleger e ser eleito, seriam gozados por cada um, à sua maneira, sem encargos para o Estado. Pelo contrário, o direito ao trabalho, à educação, à cultura, à saúde, à habitação, à segurança social, entendidos como meros direitos a prestações, estariam “naturalmente” condicionados às possibilidades do momento.

É verdade que a própria estrutura da Constituição reflete este preconceito ao agrupar sob designações diversas, os “direitos, liberdades e garantias”, no título II, e os “direitos económicos, sociais e culturais”, no título III, embora tenha prevenido as tentações mais perversas logo no artigo 17.º do Título I, onde prevê a aplicação do mesmo regime de proteção à generalidade dos direitos fundamentais. Todavia, esta distinção sedutora pela sua aparente ingenuidade não é verdadeira nem foi confirmada por 40 anos de vigência da Constituição.

Primeiro, porque a própria subsistência da democracia requer um aparato organizativo que consome vastos recursos: as eleições, os tribunais, as fronteiras, as polícias, as forças armadas, a administração, as representações diplomáticas. Segundo, porque a dignidade humana, a liberdade e a igualdade são valores inseparáveis e na prática social, na vida concreta, os direitos sempre se apresentam intimamente entrelaçados. Ao longo dos últimos 40 anos o Serviço Nacional de Saúde garantiu o direito à vida a milhares de crianças, neste país que detinha uma vergonhosa taxa de mortalidade infantil. Vive-se mais e com mais qualidade de vida. Temos uma sociedade mais culta e instruída, uma nova geração mais aberta, mais criativa, mais exigente, que beneficiou de eficientes cuidados materno-infantis, frequentou as escolas e entrou nas universidades que outrora eram privilégio de muito poucos. E temos também uma democracia política que alargou as oportunidades de participação cívica, reconheceu autonomia às comunidades locais, promoveu a igualdade de género e dá combate a todas as formas de discriminação.

É possível classificar e sistematizar os direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais segundo os mais variados critérios, desde que se reconheça que os direitos fundamentais são indivisíveis e têm a mesma dignidade e natureza. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, concebida e aprovada no limiar do século XXI, constitui um exemplo feliz e inspirador: adotou uma estrutura de sete capítulos, onde os direitos se inscrevem, sucessivamente, conforme os seguintes títulos: dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça.

Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos
Opinião JN 03.11.2016
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