O QUE AMEAÇA AS CONTAS PÚBLICAS NÃO É A REPOSIÇÃO DE RENDIMENTOS. O MAIOR RISCO É OUTRO. É A BANCA. OS DADOS ESTÃO A FALAR CONNOSCO
O sistema bancário existe, entre outras coisas, para melhorar o funcionamento da economia, e não existe, de todo, para ser um entrave ao funcionamento da mesma e um risco apreciável para as contas públicas. Infelizmente é isso que temos visto, com o contribuinte sucessivamente chamado a dar garantias, a realizar nacionalizações ou a suportar resoluções. Terá o inferno terminado?
Dados do Banco de Portugal, do início deste ano, permitem uma fotografia preocupante. O crédito malparado aumentou de 3,4% para 8,8% do total do crédito concedido, atingindo uns impressionantes quase 18 mil milhões de euros. Isto depois de anos e anos de apoios à Banca.
Aquele valor agregado obscurece, contudo, dois dados importantes: as famílias portuguesas aguentaram estoicamente a crise continuando a cumprir largamente os seus compromissos, com a taxa de crédito malparado a passar de 2,82% para 4,26% entre 2010 e 2016; e foram as empresas que arrastaram a Banca para uma situação difícil, passando de 4,11% para uns incomportáveis 15,53% no mesmo período.
Destes 15% de crédito malparado, cerca de metade vem de empresas ligadas ao sector da construção e imobiliário. O problema, parece, não é tanto os portugueses que compraram casa própria, como se chegou a dizer, é o facto de os portugueses terem deixado de comprar casa própria deixando as empresas do sector, e os bancos que as financiavam, em maus lençóis.
A exposição dos vários bancos varia, sendo de salientar uma diferença assinalável entre BPI e Santander, num patamar em torno dos 3,5%, e a CGD e o BCP, em torno dos 7,2%. A exceção, para pior, é o Novo Banco, com mais de 14% de crédito malparado. Um número muito preocupante, especialmente tendo em conta que o Banco de Portugal teria feito uma limpeza de balanço antes da resolução.
O que ameaça as contas públicas não é a reposição de rendimentos. Nem sequer é só o fraco crescimento económico. O maior risco é outro. É a Banca. Os dados estão a falar connosco. Se não os ouvem, é altura de uma visita ao otorrino. Urgente!
Marco Capitão Ferreira
Expresso 29.10.2016