O mundo dispensa mais uma marioneta com uma cartilha economicista orientada para os interesses particulares de um grupo ou de uma visão particular. Precisamos desesperadamente de fundamentos morais e conciliadores.
Perdoem-me o ceticismo, mas cada vez mais desespero com a política. Os últimos anos têm sido por demais deprimentes. Já por várias vezes aqui desabafei sobre este tema. Ontem, com as notícias da manhã, veio mais um balde de água fria. Não sou naïf ao ponto de ainda ver o mundo em tons rosa de harmonia e altruísmo. Tirei um curso de relações internacionais que me ensinou que, acima do idealismo e das ideologias, sempre prevaleceu a Realpolitik.
Não é esse o problema, política será sempre política na sua definição mais básica – a ciência da governação e uma arte de negociação para compatibilizar interesses.
Chega a ser irónico, mas o termo Realpolitik nasce do alemão. Define-se por ser a política ou diplomacia orientada por perspetivas práticas, em detrimento das ideológicas – termo frequentemente utilizado de forma pejorativa, apontando a ações políticas coercitivas, imorais ou maquiavélicas. Maquiavel e Nietzsche defendiam a Realpolitik como realismo político em que as relações de poder suplantam qualquer tipo de fundamentação moral, uma espécie de ceticismo moral aproximado do argumento de Trasímaco n’”A República” de Platão.
Faz sentido! Faz sentido que o termo tenha origem na Alemanha e seja também da Alemanha que surja o impulso para a mudança tática na disputa ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas. Ao intervalo sai Irina Bokova e entra Kristalina Georgieva. Um reforço atacante que se encaixa na perfeição na tática economicista e pragmática de Merkel. Georgieva, doutorada em Economia e com um percurso demasiadamente burocratizado, preconiza os antípodas dos valores de Guterres. Apresenta-se a visão puramente económica que tem dominado a Europa e com resultados, no mínimo, duvidosos, que aos poucos tem contribuído para a sua desagregação, com o Brexit à cabeça. A escola do Banco Mundial, onde inicia a sua carreira, mostra claramente a visão (caso vença) que terá das Nações Unidas: inflexível e padronizada em folhas de cálculo que nos têm conduzido aos extremismos, ao empobrecimento e à desumanização social.
Se há pior momento na história da humanidade para apostar nesta visão, é agora. Sem querer ser dramático, se em consciência olharmos para o estado da arte do mundo, facilmente percebemos que do que precisamos agora é de mais humanismo, mais sensibilidade social e, sobretudo, mais conciliação ou capacidade de criar pontes. Essas são as qualidades de Guterres.
De um momento para o outro, parece que já nos esquecemos de Alepo, dos migrantes, dos atentados, do crescimento acentuado dos extremismos e da pobreza generalizada que nos rodeia. Digo-o por convicção absoluta! Não por patriotismo! Fosse Guterres de qualquer outra nacionalidade mas encarnasse os mesmos valores, ou fosse Georgieva uma humanista por natureza, defenderia a mesmíssima coisa. É uma questão de racionalismo e humanismo.
O mundo dispensa mais uma marioneta com uma cartilha economicista orientada para os interesses particulares de um grupo ou de uma visão particular. Precisamos desesperadamente de fundamentos morais e conciliadores. Precisamos de sensibilidade humana que recentre o homem no centro do mundo. E para que não restem dúvidas: não sou machista, mas mal estaremos se acenarmos com a paupérrima justificação do género.
Filipe Baptista