Na última quinta-feira dediquei esta coluna a uma reflexão sobre a tendência hoje dominante no discurso político para a desqualificação das estratégias argumentativas que são cada vez mais instrumentalizadas pelo apelo emotivo às motivações mais básicas – supostamente partilhadas pelos eleitores (Miséria da Política, JN, 1/09/2016). Procurei ali demonstrar duas coisas:
– Em primeiro lugar, que esta tendência para subestimar a inteligência dos destinatários é muito antiga e que, tal como a história universal profusamente ilustra, conduziu invariavelmente a péssimos resultados. Foi com um imperativo de sobrevivência – a teoria do espaço vital – que Hitler fundamentou perante os alemães o início da Segunda Guerra Mundial. Foi sob a inspiração do senso comum que os alemães preferiram ignorar as atrocidades do holocausto que iam dizimando os seus vizinhos.
– Em segundo lugar, que não se trata de um fenómeno doméstico e conjuntural mas que, bem pelo contrário, se encontra amplamente documentado, desde logo (a) pelos argumentos que foram utilizados para explicar a submissão às políticas de austeridade, ao longo de toda a última legislatura; (b) pela quebra da solidariedade interna e externa que ameaça seriamente a própria sobrevivência da União Europeia e alimenta a criminosa indiferença perante a catástrofe dos refugiados; (c) para atingir dimensões grotescas no discurso eleitoralista do candidato republicano a Presidente dos Estados Unidos da América: Donald Trump. E, por fim (d) o fenómeno revela-se com exuberância na candura assustadora das justificações de voto pronunciadas pelo eleitos brasileiros que aprovaram a destituição da Presidente Dilma Rousseff.
Somos permanentemente confrontados na rádio, na televisão, nos jornais ou nas redes sociais – enfim! – com os exemplos mais flagrantes desta brutal simplificação discursiva. O Presidente das Filipinas achou mais eficaz suspender o “estado de direito” no seu país, para abrir a caça aos traficantes de droga. Na expectativa de previsíveis admoestações, insultou o Presidente Obama que não foi sensível ao seu pronto pedido de desculpas e por isso não o recebeu.
À simplificação discursiva da comunicação política corresponde a banalização obscena do mal e da crueldade, das catástrofes naturais às tragédias humanas, do incêndio estival nas florestas atlânticas aos corpos dos náufragos nas praias do Mediterrâneo, do horror dos atentados terroristas à estigmatização dos estrangeiros e dos muçulmanos. No resultado do referendo britânico, pesaram substancialmente os argumentos racistas e xenófobos irresponsavelmente invocados por muitos dos adeptos do “Brexit”. Do lado de cá do Canal da Mancha, onde agora se reclama também a construção de novos muros, o primeiro-ministro francês solidarizou-se com os autarcas que procuravam impor códigos de vestuário aos banhistas que não se quisessem despir, tal como Salazar legislou, em sentido oposto, por meados do século passado, para impedir que se descobrissem!
Este retrocesso civilizacional opera em campos distintos e contraditórios. Por um lado, é produzido como uma consequência inelutável dos processos de globalização económica, tecnológica e comunicacional. Por outro, propaga-se caudalosamente pelos canais abertos das sociedades democráticas que está a destruir. E o mas dramático é que não chega o bom senso para travar esta deriva incontrolável de um senso comum cada vez mais bizarro e mais amplamente partilhado. Há que enfrentar a complexidade do Mundo e procurar soluções que seguramente não vão surgir da paródia dos debates que ininterruptamente nos fornecem, sobre tudo e sobre nada, em que ninguém responde por coisa alguma e de que todos já se esqueceram no fim da emissão. Chega de entretenimento! O que as democracias urgentemente reclamam, é um pouco mais de seriedade intelectual e dignidade cívica. Isto ou a barbárie.
Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos
Opinião JN 08.09.2016
Leia mais: http://www.jn.pt/opiniao/pedro-bacelar-de-vasconcelos/interior/senso-comum-e-barbarie-5377739.html#ixzz4Jfx6OIee