1. Não me canso de o escrever – somos um povo com uma cultura universal, quase milenar, sábio e desenvolvido, numa visão do Planeta, mas que ainda assim não tem conseguido ultrapassar a barreira dos Pirenéus, as barreiras da periferia europeia, o que se tem traduzido numa incapacidade factual de convergência para os níveis de desenvolvimento social de parceiros europeus próximos. Temos um deficit relativo de racionalismo funcional que se traduz entre outros aspetos no quadro jurídico subjetivo e confuso que vamos gerando. Este último é um problema transversal ao espetro político que ajuda a uma instabilidade social que ninguém deseja e que poderíamos minimizar, funcionasse melhor o bom senso.
2. É nesta visão que comento as mudanças recentes no Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) inscritas no decreto-lei n.º 41/2016. Não se trata obviamente de uma simples majoração de um dos treze critérios qualitativos para avaliar as habitações e aplicar a taxa de IMI, o da “localização e operacionalidade relativas”, de onde poderá resultar a “justa decisão” de num dado prédio o “sétimo andar” ver o seu IMI agravado relativamente ao “rés do chão”. Trata-se de introduzir um critério subjetivo de avaliação do imaterial, de facto uma pequena fração do imaterial, que suscita óbvias perplexidades, interrogações e preocupações a muitos, proprietários e profissionais – será que amanhã se vai incluir o nível de ruído, problema dramático para o conforto dos cidadãos, e de novo o tal “sétimo andar” vai ser mais carregado? Ou será que se vai regular a revisão do IMI, para o caso de algum prédio crescer inesperadamente em frente a outro, alterando as “vistas e exposição solar” originais deste último? Ou tantos outros exemplos. Vai contra a minha racionalidade das coisas. Esta alteração representa um aumento potencial de impostos, com um percetível traço ideológico inconsequente na sua base. Creio que não avalia devidamente a dimensão social que em muitos casos vai ser injustamente abrangida, fustigando mais uma vez a classe média. Para não falar dos potenciais conflitos e desvios comportamentais que vai induzir. O mais grave é que este tipo de ações continua a ser motivado pela simples falta de capacidade dos governos em atingirem o essencial – cobrar os milhares de milhões devidos com o quadro jurídico fiscal que temos. A solução não pode ser a fuga para a frente.
Sebastião Feyo de Azevedo
Prof. Catedrático, Reitor da Universidade do Porto
JN 09.08.2016
http://www.jn.pt/opiniao/sebastiao feyo/fuga para a frente – a racionalidade das coisas