A permanente ameaça de sanções da Comissão Europeia sobre os Estados em matéria orçamental recorda uma afirmação do saudoso sociólogo Ulrich Beck, em 2006: se a União Europeia (UE) fosse candidata a ser membro da própria UE, falharia os critérios de democraticidade exigidos aos Estados membros! Hoje, a UE não só não resolveu o problema da sua articulação transparente e previsível com as soberanias nacionais, como se transformou num labiríntico novelo jurídico, potencialmente caótico e conflituante entre tratados intergovernamentais, que dá azo às mais bizarras arbitrariedades. Na verdade, hoje, a base jurídica fundamental da UE já não é o Tratado de Lisboa (que, aliás, são dois: o Tratado da UE e o Tratado de Funcionamento da UE), mas sim o excêntrico Tratado Orçamental (TO), em vigor desde 2013. O reforçado poder sancionatório da CE sobre os países, conferido pelo TO, é uma anomalia a vários títulos. Enquanto no Tratado de Lisboa a Comissão é definida como o órgão que persegue o “interesse geral da União”, sendo os poderes da UE obtidos de acordo com o “princípio da atribuição” (a livre transferência de competências do plano nacional para o plano europeu), o TO afirmou-se pelo princípio não escrito da usurpação. Primeiro, pela urgência com que foi imposto (apesar de a UE ter 28 membros, para o TO entrar em vigor bastaria a ratificação de 12 países). Depois, pela chantagem exercida sobre os países resgatados. Os Estados que não ratificassem o TO perderiam o acesso aos fundos do Mecanismo Europeu de Estabilidade (outro recente tratado intergovernamental!). A zona euro transformou-se num absurdo reformatório para soberanias menorizadas. É uma pena que a Comissão tenha aceitado enredar-se, pelo aumento do seu poder negativo, numa tão trágica farsa.
Opinião DN 27.05.2016