Os avisos de Krugman – e o seu erro

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A COMISSÃO EUROPEIA NÃO ESTÁ PREOCUPADA COM OS EXCEDENTES COMERCIAIS QUE A ALEMANHA TEM VINDO A ACUMULAR, MAS APENAS COM OS DÉFICES ORÇAMENTAIS DOS PAÍSES PERIFÉRICOS. É PARA A ESTES QUE PROPÕE SANÇÕES E DIRIGE PALAVRAS DURAS. E É AQUI QUE RESIDE O ERRO DE KRUGMAN

No almoço que hoje encerrou o VI Congresso da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) estavam à mesa dois keynesianos: o Prémio Nobel de Economia Paul Krugman e um escriba que não interessa para esta crónica. Mas para além de ser keynesiano, Krugman sabe muito de economia e tem sobretudo bom senso. Por isso, Bruxelas deveria escutar os seus avisos.

Disse por exemplo Krugman: “A rigidez das regras [orçamentais] não é adequada à natureza dos problemas, já que os países não estão a ser indisciplinados do ponto de vista orçamental. O problema foi provocado por um ajustamento muito difícil e pela debilidade da economia europeia.”

Isso não significa, como sublinhou, “uma licença para um gasto descontrolado”, mas uma flexibilidade que permita colocar no terreno políticas expansionistas que estimulem a procura interna e aliviem um pouco a austeridade. “Se a economia europeia, como um todo, tropeçar, se a inflação continuar baixa para sempre e não houver um crescimento forte, não só Portugal, mas todos os países do sul da Europa vão ter uma situação de dívida insustentável”, sublinhou.

Ora “uma economia europeia eternamente deprimida não interessa a ninguém”, mas é esse o caminho que será percorrido se os estímulos orçamentais não se vierem juntar ao que vem fazendo a política monetária desenvolvida pelo BCE, que Krugman elogiou abundantemente: “é o exemplo de uma instituição europeia que está a tentar fazer o sistema funcionar.” Mais: “Draghi e companhia estão a fazer tudo o que podem”, em termos de política monetária, apesar de “os deuses da economia” não estarem ao seu lado.

Ora se houver alguma flexibilidade nos critérios do Tratado de Maastricht, “os mercados financeiros não vão entrar em pânico. Um ponto no PIB não vai fazer diferença, mas pode tornar os custos mais toleráveis para as pessoas”, destacou.

É claro, contudo, que “o Governo português não tem grande margem de manobra para alterar o cenário macroeconómico, mas pode minimizar o impacto sobre as pessoas, aliviando a política orçamental”, sugeriu.

A análise de Krugman está completamente correta. A política orçamental tem de juntar-se à política monetária para estimular a economia, como também já disse o presidente do BCE, Mario Draghi. O arsenal que Draghi tem à sua disposição já não dispõe de muito mais munições. Mas esse estímulo da política orçamental teria de ser praticado sobretudo nos países do centro da Europa, com a Alemanha à cabeça, aumentando salários e a procura interna, o que estimularia as exportações dos países periféricos da zona euro.

Infelizmente, a Comissão Europeia não está preocupada com os excedentes comerciais que a Alemanha tem vindo a acumular, mas apenas com os défices orçamentais dos países periféricos. É para estes que propõe sanções e dirige palavras duras. E é aqui que reside o erro de Krugman, quando pede que a Comissão relaxe um pouco e permita algum alívio na austeridade, mesmo nos países periféricos, para melhorar a vida das pessoas.

O erro de Krugman é pensar que a Comissão e o Eurogrupo estão apenas a carregar demais nas tintas. Não é o caso. O que está em cima da mesa é a leitura alemã da situação e a sua tese de que qualquer alívio (como, por exemplo, as eurobonds ou outras formas de mutualização da dívida) iria beneficiar os infratores, os que deixaram derrapar as contas públicas, os que foram despesistas e consumistas, os que viveram acima das suas possibilidades.

É esta leitura moralista alemã que está por trás de tudo o que faz e decide a Comissão e o Eurogrupo. Não é uma questão de apertar mais ou menos as regras. É uma orientação definida, aplicada milimetricamente e que é ainda mais rigorosa para países que tentam chegar mais ou menos aos mesmos resultados mas por outra via que não a definida por Bruxelas e pelo Eurogrupo, que passa sempre por cortes nos salários, reformas e pensões, por emagrecimento significativo do Estado social, por subida dos preços dos bens fornecidos pelas empresas públicas e por extensos programas de privatizações.

Não, Professor Krugman, a Comissão e o Eurogrupo não vão ouvir as suas palavras, porque não concordam consigo, mas sim com Wolfgang Schauble, o ministro alemão das Finanças. E a leitura que ele faz da atual situação é que houve uns que deixaram descontrolar as finanças públicas por erros próprios – e não por qualquer outra razão. Por isso, têm de ser punidos. Por isso, a Alemanha resistirá a qualquer política que lhe cheire minimamente a ajudar os que considera culpados da situação a que chegaram. Pelo contrário, há que punir, punir e continuar a punir até aprenderem. Por isso, as suas palavras serão levadas pelo vento, Professor Krugman. E o vento não vai na direção da Alemanha.

Nicolau Santos
Expresso Diário 04.05.2015