Em 2012, a medida foi chumbada no Parlamento Europeu. Com a pressão criada pelos atentados de Paris e Bruxelas, aproveitando o sentimento generalizado de insegurança, o banco de dados de passageiros aéreos foi, desta vez, aprovado pelos eurodeputados e no prazo de dois anos terá de ser adotado por todos os estados-membros.
Multiplicando as bases de dados já existentes a nível nacional, o sistema controla as entradas e saídas que transponham as fronteiras da União Europeia. E regista, de forma desconfiada, pedidos “anormais” de refeições ou a forma como cada um se veste. Pretende contribuir para detetar movimentos de terroristas, mas deixa de fora voos charter e privados. Segue o caminho da vigilância generalizada sobre todos os cidadãos, independentemente de serem ou não suspeitos.
O combate ao terrorismo passa muito mais pela prevenção e partilha de informação relativamente a europeus que estão a ser radicalizados e treinados no exterior. Ou pela maior cooperação entre as polícias e serviços secretos dos diferentes estados. Pelo combate às fontes de financiamento das atividades criminosas. Pela transparência no controlo de fluxos financeiros. Ou pela integração social e pela criação de uma efetiva cultura de pacificação.
Os 461 eurodeputados que votaram a favor do banco de dados de passageiros aéreos (contra 179 que se opuseram e 9 abstenções) acreditam que a questão da segurança se sobrepõe a interferências em dados pessoais. E em nome da segurança vamos cedendo cada vez mais da nossa liberdade. Deixamos que o nosso espaço seja habitado por câmaras, bases de dados, chips, aplicações que nos controlam os passos, os hábitos e os indicadores biológicos.
A aprovação do banco de dados passou quase despercebida, sem grande debate público. Num tempo em que se partilham nas redes sociais rotinas, declarações de amor, localizações e horários, a noção de espaço privado é cada vez mais relativa. Sempre que se levantam dúvidas sobre intromissões na esfera pessoal, há quem argumente que quem nada tem a esconder, nada tem a temer. Quando a questão é outra.
Não se trata apenas de as tecnologias e bases de dados não serem neutras e poderem vir a ter usos que hoje não antecipamos. Trata-se da própria alteração que a publicitação tem vindo a fazer das relações interpessoais. A vida vive-se offline. E cada vez que a cedemos, corremos o risco de a entregar a quem não faz parte dela. Reconfigurar o espaço público exige que, ao mesmo tempo, sejamos capazes de preservar o sentido do que é privado.
Inês Cardoso