Portugal é o país europeu onde os orçamentos mais são notícia? Talvez, pois vamos entrar na terceira semana de “Orçamento uber alles nas notícias, mas mais interessante é perceber que isso pode ser um sintoma de uma doença de contaminação político-noticiosa com orçamentos.
Houve um tempo em que os orçamentos faziam parte da política, da discussão parlamentar e das notícias, mas em que não eram a única forma de fazer política, fazendo-nos esquecer que a maior parte dos problemas não se resolve diretamente pela discussão inflamada e artificialmente prolongada dos orçamentos mas sim pela governação e debate diário de politicas.
Os governos têm de apresentar orçamentos? Sim. A oposição e governo devem debater orçamentos? Sim. Devemos centrar-nos apenas na discussão de orçamentos e todos os dias viver a sensação de já ter vivido o dia anterior? Não, porque se o fizermos estaremos a criar as condições para nos tornarmos num X-file.
Estamos na zona euro e há reuniões da Comissão e do Eurogrupo para discutir orçamentos? Sim. Devemos desejar com ardor, independentemente da nossa cor política, que algo de errado lá aconteça e tudo fazer para que assim seja para termos razão? Não, porque todos sofreremos se isso acontecer.
Devemos desejar que as taxas de juro da dívida subam, fazer por isso e depois dizer “viram como tenho razão”? Não, porque isso é egoísmo político e desrespeito por quem não se senta num parlamento.
Devemos dizer que os orçamentos devem ser amigos das empresas e sistema bancário, como disse o ainda Presidente da República? Não, porque isso é um sintoma de que o orçamento deixou de ser um instrumento para ser a “razão de ser” de ter governos, partidos ou políticos.
A obsessão com o tema orçamento é um disparate e só pode ser percebido como um argumento para um X-file que tente perceber o que de estranho se está a passar em Portugal com a política, com os políticos e os partidos.
Como se sai deste círculo vicioso? Em primeiro lugar, afastando a ideia de que os partidos da oposição só podem voltar a governar se as coisas não correrem bem entre o governo e a Europa.
Porquê? Porque essa percepção enfraquece-nos enquanto país e enfraquece os partidos que o fazem. Pois, faz com que se generalize a ideia de que só com ajuda externa se pode governar, um pouco como a ideia do árbitro que arranja penaltis para a outra equipa ganhar – só que a política não é como o futebol, embora por vezes pareça.
Só tendo parlamentares que discutam políticas (e não estejam obcecados orçamentalmente) podemos ter comentadores que não repitam o que sempre disseram na última década e nos retirem deste pesadelo televisionado que é ter a sensação errada que nada nunca muda.
Sem essa mudança não podem deixar de existir notícias repetidas e circulares, sempre sobre orçamentos e protagonistas e muito poucas sobre políticas diferentes centrando-se em como resolver problemas e como está a sua resolução a ir.
Há um público que gosta de ver os X-files na televisão, mas há muito poucas pessoas que gostem de ser um X-file e, infelizmente, estamos todos num há demasiado tempo em Portugal.
O primeiro passo para sair deste X-file é assumir que somos nós todos, comentadores, políticos, jornalistas e público que o alimentamos, mas que alguém tem de dar um primeiro passo para dele sair e que terão de ser os políticos eleitos a fazê-lo.
Gustavo Cardoso