Abandono. Idosos continuam a ser deixados em hospitais

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Na maioria dos casos trata-se de “abandono mascarado”, apontam enfermeiros. Há famílias que dizem não ter condições para receber os doentes, outras que não têm tempo ou know-how. O abandono passará a ser crime.

Manuel, enfermeiro há sete anos, já passou pelas urgências de dois hospitais do Serviço Nacional de Saúde na grande Lisboa. Nestes anos, já testemunhou várias situações de abandono de idosos: “Se tivesse de chegar a um número, penso que poderia dizer que estes casos acontecem cerca de uma vez por mês.”

Para o enfermeiro, as razões que levam os familiares a não cooperarem no processo de alta são diversas: “Há casos de famílias que se recusam a levar os doentes para casa por incapacidade de assegurar a continuação dos cuidados de saúde, por exemplo, quando as vias aéreas dos doentes têm de ser aspiradas ou se há outro tipo de cuidados mais específicos.”

O segundo motivo –mais dramático e mais raro – é também o que Manuel não consegue explicar. “Depois há outros casos em que os idosos são simplesmente deixados nos serviços.”

Segundo o enfermeiro, “há uma maior prevalência de casos de abandono nos picos do verão e do inverno”. Apesar de a altura de inverno coincidir com o Natal, Manuel não acredita que os abandonos nesta altura estejam relacionados com motivos de férias ou de deslocações relacionadas com épocas de festividades. “Julgo que o aumento de abandonos nestas alturas se prende com o agravamento das doenças com as temperaturas e, havendo mais doentes, há uma maior probabilidade do acontecimento.”

Ainda assim, o profissional sente que estas situações estão a decrescer. “Sinto que há uma maior consciencialização da sociedade, também pela atenção que é dada a este assunto nos meios de comunicação social”, considera.

Sara, também enfermeira num dos maiores hospitais do país, explica que os abandonos que tem testemunhado não são claramente assumidos pelos familiares. “Ouço muitas pessoas dizerem que não têm condições em certos momentos para receber os utentes. Penso que há um abandono mascarado. As famílias dizem que não conseguem receber o doente e é difícil distinguir até que ponto isso pode ser verdade. Nesses casos, chamamos os assistentes sociais, que avaliam a situação.”

Para a enfermeira, há doenças em que este tipo de comentários são mais recorrentes. “Por exemplo, quando um doente idoso tem alta após um AVC.” No entanto, sublinha, estes casos não acontecem todos os dias. E há até serviços em que o passar dos anos tem trazido boas notícias. Por exemplo, o Hospital do Espírito Santo, em Évora, que em 2008 tinha mais de 30 camas indevidamente ocupadas com estas situações: em 2015 não registou nenhum caso de abandono.

O i tentou apurar quantos idosos foram abandonados em contextos hospitalares em 2015, mas o Instituto da Segurança Social “não dispõe de dados específicos relativos aos abandonos de pessoas idosas nos hospitais”.No entanto, em janeiro do ano passado, “a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), na sequência de uma maior procura e respetiva ocupação das camas hospitalares devido a episódios de doença, solicitou a colaboração do Instituto da Segurança Social para desenvolver um conjunto de procedimentos de apoio e planeamento das altas hospitalares”. No seguimento deste pedido foram referenciadas 174 pessoas adultas que, por diversos constrangimentos – “insuficiente disponibilidade (meios e tempo) por parte das famílias para a prestação de cuidados, ou até mesmo inexistência de rede familiar; situações clínicas complexas; processos pendentes de decisão do Ministério Público, designadamente para decisão de tutoria ou curadoria; e ainda casos de cidadãos estrangeiros” –, não podiam voltar ao domicílio.

Segundo o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, mais de 90% destes casos foram solucionados.

Prestes a ser criminalizado

A 11 de dezembro, o projeto de lei para criminalização do abandono de idosos, uma proposta apresentada pelo PSD/CDS-PP que prevê alterações ao Código Penal para a estratégia do idoso, foi aprovada na generalidade na Assembleia com a abstenção do PS e os votos contra do BE, PCP e Os Verdes. Além do CDS-PP e do PSD, também o PAN aprovou o projeto.

Segundo o texto – que se encontra em fase de aperfeiçoamento antes de voltar à AR para a votação global final –, quem abandonar um idoso num hospital ou “aproveitar as suas limitações mentais para aceder aos seus bens poderá incorrer numa pena de prisão até dois anos”.

Mariana Madrinha
Jornal i 06.02.2016