Quando a Autoridade Tributária foi usada numa campanha para enganar os contribuintes

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Não é português. Nós tendemos a não gostar de quem nos leva parte do salário. E por isso tendemos a não gostar da máquina fiscal. Mas, na maior parte dos casos, reconhecemos a sua necessidade e, por isso, respeitamo-la. É desse respeito que depende a sustentabilidade das contas públicas e de todas as funções do Estado: o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, a segurança pública, o sistema de Justiça. É justo dizer que, nos últimos 20 anos, o nosso sistema fiscal se tornou muito mais eficaz, tendo para isso sido muito importante o papel do antigo diretor geral Paulo Macedo. Apesar de o ter criticado enquanto ministro da Saúde, onde penso que não fez um bom trabalho, é justo reconhecer os seus méritos anteriores. Nestes anos tornou-se muitíssimo mais difícil fugir ao fisco, o que se traduz, apesar de tantos traços injustos da nossa lei, numa maior justiça e equidade fiscal.

Como não há fome que não dê em fartura, ao laxismo do passado sucedeu uma maquinal fúria cobradora que muitas vezes redunda em injustiças, absurdos e até formas de confisco. Infelizmente, a transformação da máquina fiscal numa máquina cobradora de outras dívidas – incluindo dívidas de concessionárias privadas – está a minar a credibilidade moral do fisco. A autoridade dos serviços tributários resulta da função última do dinheiro que esta recolhe. Quando ela passa a usar os poderes extraordinários que lhe conferimos para cobrar multas, contas de portagens e tudo quanto se possam lembrar, banaliza-se a sua função e desprestigia-se a instituição.

Mas poucas coisas atingiram tanto a credibilidade da máquina fiscal como a história da devolução da sobretaxa. Bem sei que a tendência de muita gente demasiado desiludida para se espantar com seja o que for é olhar para isto como mais uma promessa eleitoral por cumprir. Entre tantas outras. Mas não é o caso. Quando nos anunciavam uma devolução que chegou a ser de 35% não se tratava de uma promessa eleitoral. Não foi um anúncio do PSD, deste ou daquele ministro. Foi um previsão quantificada, feita por um simulador no próprio portal da Autoridade Tributária e com a credibilidade técnica a ela ligada. Ou seja, o Governo usou a máquina fiscal do Estado para fazer propaganda direcionada.

O que aconteceu, e que deveria merecer um debate muito sério sobre os limites do poder político na utilização da administração pública para fins eleitorais, fará com que os cidadãos deixem de olhar da mesma forma para as informações técnicas prestadas pelos serviços fiscais. A partir de agora, em vez de olharem para a informação do fisco como um conjunto de dados objetivos, desconfiarão que se possa tratar de pura propaganda. Sobretudo em vésperas de eleições. Na realidade, não foi a única vez que o governo anterior usou serviços do Estado para difundir informações erradas. Fê-lo, por diversas vezes, por via do Instituto de Emprego e Formação Profissional, por exemplo. Só que neste caso, para além da enorme sensibilidade do papel da Autoridade Fiscal, tratava-se de informação individualmente útil. O simulador dizia quanto cada um de nós iria receber.

Para além das responsabilidades políticas, que são de Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e Paulo Núncio (por esta ordem), é necessário discutir as responsabilidades dentro da própria administração fiscal pela participação na criação de um simulador que tinha como objetivo enganar os contribuintes, já que se dedicava, como então foi dito por muitos, a fazer uma previsão tecnicamente absurda e irresponsável.

A Autoridade Tributária levou os contribuintes ao engano, criando expectativas de uma devolução concreta de dinheiro, apenas com fins eleitorais. Tratou-se de uma utilização ilegítima dos meios do Estado para fins partidários. A isto, Maria Luís Albuquerque respondeu que estava desiludida enquanto ex-ministra e contribuinte. Como se fosse tudo normal.

Daniel Oliveira
Opinião Expresso Diário 27.01.2016