Um homem de 74 anos morre no hospital de Coimbra vítima de um AVC isquémico. Não seria notícia, naturalmente, se o doente não tivesse sido transferido do hospital de Faro de ambulância para o hospital de S. José, em Lisboa, o mesmo onde David Duarte morreu devido à rotura de um aneurisma. Tal como no caso de David, no “S. José” não havia equipa para tratar o idoso, sendo “empurrado” para Coimbra, onde viria a falecer. Provavelmente morreria, mesmo se tivesse sido tratado no Algarve. Mas a dúvida subsistirá. O importante aqui é perguntar: que país é este em que um cidadão residente no Algarve acaba internado em Coimbra por falta de condições hospitalares na região onde vive? Que país é o nosso em que um hospital transfere doentes por não ter médicos aos fins de semana?
É legítimo, sem dúvida, o protesto dos médicos contra os cortes sofridos no pagamento de horas extras. Estranho seria que ficassem quietos. Mas há muitas formas de protesto. Virar costas a um doente em risco de vida não é um gesto digno, sobretudo por quem jurou fazer da sua missão na sociedade uma luta contínua pela vida dos outros.
Alguém terá de explicar o que levou os profissionais do hospital de S. José a resignarem-se. E, em vez de pedir apoio a um hospital da área (ao “Santa Maria”, por exemplo) para prestar auxílio a David Duarte, optarem, numa noite de sexta-feira, por esperar pela manhã da segunda-feira seguinte. Tarde de mais.
Com um novo ano à porta, muitos portugueses espreitam nos tempos que se aproximam largos sinais de esperança. Nos últimos meses, vivemos em Portugal momentos julgados impensáveis, por isso mesmo momentos fora do comum. O movimento está feito, resta esperar pela mudança. Esse é o grande desafio dos que conseguiram desenhar e concretizar um acordo histórico. O entendimento à esquerda, no Parlamento, que conduziu António Costa, contra a opinião dos mais céticos, à liderança do país .
É preciso, no entanto, que tudo não fique na mesma. Casos como os do hospital de S. José são inadmissíveis num país da União Europeia: morrer por falta de assistência, devido a cortes cegos no Serviço Nacional de Saúde, é intolerável. Não basta, todavia, atribuir as culpas aos cortes feitos pelo anterior Governo PSD-CDS. É necessário que os profissionais de saúde assumam também as suas responsabilidades. A profissão deles não é uma qualquer. Foram formados para salvar vidas – e, parece, nem todos apresentam a preparação moral desejável.
Paula Ferreira
Opinião JN 29.12.15