Ponto prévio para esclarecer quem porventura não saiba. A ADSE é (ainda) um subsistema de saúde, ou seja, é uma entidade que, por lei, assegura prestações de saúde e responde financeiramente e pelos encargos com os seus beneficiários.
Abrange mais de 1 milhão e 200 mil portugueses que são, na sua maioria, funcionários públicos, no activo ou aposentados, e os seus familiares directos que não tenham outro sistema de protecção na saúde. A dimensão desta rede e as consequências da sua destruição podem ter efeitos muito relevantes para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), além de outros danos sociais que não podem ser ignorados.
Como subsistema, a ADSE era responsável pelo pagamento ao SNS dos custos resultantes da prestação de cuidados aos seus beneficiários. Ou seja, quando um funcionário ou familiar eram atendidos num hospital público, o custo era inteiramente cobrado pelo SNS à ADSE. Isto significa que, ao contrário do que se pretende fazer acreditar, as contribuições do Estado, fosse como empregador, fosse através de transferências do Orçamento do Estado (OE) para a ADSE, não eram um “privilégio”, mas apenas uma forma diferente de pagar o que o Estado sempre suportaria através dos impostos.
A partir do momento em que a ADSE passou a ser financiada exclusivamente pelas contribuições dos beneficiários deixou, na prática, de ser um subsistema. Passou a ser uma rede complementar de prestação de cuidados de saúde, transitando para o SNS todos os encargos que antes eram cobrados à ADSE pelo atendimento dos seus clientes. Dito de outra forma, há agora que separar rigorosamente os custos que correspondem ao direito de qualquer cidadão que é atendido no SNS dos custos que resultam de eventuais benefícios próprios da ADSE e que, por isso, constituem encargo dos seus beneficiários.
É isso mesmo que diz o relatório do Tribunal de Contas (TC), ao recomendar que “a ADSE deixe de assumir encargos que cabem ao Orçamento do Estado e ao Serviço Nacional de Saúde”, sob pena de os contribuintes da ADSE estarem a pagar despesas de saúde que, para os outros cidadãos, são suportadas pelas receitas dos impostos.
Além disso, a ADSE tem uma função de solidariedade que nenhum outro sistema privado tem, uma vez que a contribuição, agora de 3,5%, incide sobre o salário, mas os benefícios são iguais para todos, independentemente do montante da contribuição. A isto soma uma importantíssima função de apoio à família – agora que tanto se fala de estímulo à natalidade! –, pois cada beneficiário verá o seu direito estendido a todos os filhos até à maioridade ou até ao fim da formação escolar, sem qualquer acréscimo na sua contribuição.
Também há a considerar um outro factor distintivo da ADSE como elemento de equilíbrio e solidariedade social, agora inteiramente às custas dos seus contribuintes. É que os aposentados e reformados mais carenciados estão isentos de descontos, não havendo, ao contrário de regimes privados de saúde, limite de idade nem de despesa com cuidados de saúde, o que beneficia largamente os idosos e os portadores de doenças crónicas. Também por isso, o TC alerta para que esta “função social” deverá passar a constituir encargo do OE, uma vez que nada justifica que esta despesa seja suportada apenas por alguns cidadãos e não pelos impostos de todos.
Salta assim à vista a inexplicável ligeireza com que se tem vindo, sistematicamente, a destruir a ADSE, apontando-a como “um custo” para o OE, introduzindo factores de desconfiança nas sucessivas alterações e chegando a tentar utilizá-la como receita do OE!
Foi para evitar esse abuso e essa ilegalidade que, há cerca de um ano, Cavaco Silva vetou o diploma que fixava o aumento da contribuição em 3,5%, não só porque o aumento de receita era desproporcional às despesas previstas como tal decisão camuflava a intenção do governo de desviar parte das receitas para outros fins. Ao proceder assim, o Presidente prestou um enorme serviço à saúde pública nacional. No entanto, e sem dar qualquer explicação plausível que evidencie o interesse público desta política, o Governo continua, passo a passo, a dar cabo do que funcionava em proveito de todos, para gerir apenas interesses orçamentais de curtíssimo prazo.
Este é um daqueles casos em que, depois do mal feito, pouco haverá a remendar. Um dia perguntar-nos-emos, surpreendidos, como foi possível causar prejuízo a tantos sem, em contrapartida, beneficiar quem quer que seja?
Eduardo Oliveira e Silva