A imprensa tem destacado o carácter incerto da promessa de Passos Coelho sobre a sobretaxa do IRS (em 2016 e se me derem os votinhos…). Tem assinalado o empolamento das contas do IVA. Tem mostrado que estamos a dois meses das eleições e isto é um jogo.
Mas, surpreendentemente, tem aceite o spin do governo, que é a sua arma mais cínica e calculada, chamando a esta eventualidade de redução a sobretaxa uma “devolução”. As pessoas vão “reaver”, diz uma televisão. Vão “recuperar”, diz outra. Paulo Núncio admite, generoso, que a “devolução pode ser maior do que o previsto“. “Simule a devolução“, convida o Expresso. O título do PÚBLICO é mais cuidadoso, mas deixa a ambiguidade: “o governo acena com devolução da sobretaxa do IRS”.
A “devolução” é simplesmente uma cobrança no próximo ano que é um pouco menor do que no ano corrente. Portanto, não se recupera nada, nada é devolvido, o que é cobrado é que é um pouco menor. Se for. Se as contas estiverem certas e se os votinhos se portarem bem, entenda-se.
Quando vamos a uma livraria e pagamos um livro que teve um pequeno desconto não costumamos dizer que nos “devolveram” a quantia, pois não? Quando pagamos um imposto não costumamos dizer que nos “devolveram” a diferença para uma taxa maior, se o governo a tivesse aplicado, pois não?
É raro haver um acto político tão exuberantemente cínico. É menos raro que uma parte tão importante da comunicação social de referência aceite ser manipulada pelos assessores e membros do governo.
Francisco Louçã