Vírus, venenos e antídotos

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Para a ortodoxia neoliberal instalada nas instâncias de poder da União Europeia (UE), a Grécia é o vírus que está a afetar o “projeto europeu” e, como tal, há que eliminá-lo: seja encostando aquele país à parede não deixando espaço para a sua permanência no euro; seja forçando-o a tomar “voluntariamente” uma forte dose de veneno, oferecendo-lhe antídotos que supostamente impedirão que o veneno mate.

Haverá por parte dos gregos força anímica e capacidade política para encontrar algum caminho, mesmo que muito estreito, que permita a fuga a estas condenações? Surgirão pingos de bom senso e coragem que impulsionem alguma mudança, mesmo que pequena, por parte dos grandes atores europeus?

Os vírus que estão a matar a esperança dos povos europeus na construção de um projeto coletivo de solidariedade e cooperação, de respeito mútuo, de convergência com harmonização social no progresso, não são as situações de bloqueio em que mergulharam a Grécia, Portugal, Chipre, Irlanda, Espanha e outros. Os vírus estão no rumo político seguido pela UE, no tipo de estruturação e funções das suas instituições, na divisão essencialista dos povos entre malandros e cumpridores, no papel e nos objetivos atribuídos à “moeda única” e nas imposições orçamentais concebidas à medida dos interesses (internos, europeus e globais) da Alemanha e da sua área de influência, na submissão da política ao poder económico/financeiro, na transferência de soberania dos povos para o domínio dos mercados, na vergonhosa incapacidade de lidar com os movimentos migratórios, na criação de um gravíssimo problema chamado Ucrânia e na persistência em prosseguir caminhos errados na relação com a Rússia, na desistência da afirmação da UE como espaço e projeto que no atual contexto mundial se distinga positivamente no plano social, económico, ambiental, cultural e no exercício democrático.

A situação da Grécia não é, pois, o vírus, mas a manifestação mais relevante de muitos males que estão profundamente inculcados no “projeto europeu”. A Alemanha foi levando a água ao seu moinho, com a França e outros países importantes a deixarem-se ir no jogo a troco de contrapartidas conjunturais, a UE embarcou na aplicação entusiasmada da cartilha neoliberal e num perigoso processo de retrocesso social e civilizacional. Assustam os pronunciamentos da sra. Merkel, do sr. Schäuble ou do sr. Schultz pois demonstram que a Alemanha não está preparada nem quer buscar uma alternativa. Este importantíssimo país europeu pode já se ter enquistado num modo de atuação que não dispensa a imposição dos seus interesses contra tudo e contra todos.

A delicada situação interna da Grécia, a necessidade que tem de não se oferecer de corda ao pescoço para uma saída do euro, o seu posicionamento geoestratégico que lhe acarreta pressões de vária ordem, levam o Governo grego a aceitar uma dose de veneno. Que contrapartidas irá apresentar a UE em termos de medidas de longo alcance que permitam a reestruturação da dívida e a anulação de uma parte desta? Vão os senhores da Europa desistir dos seus objetivos de derrubar o Governo grego e de limitar a democracia na Grécia e nos outros países?

Um ministro francês disse estes dias que é preciso “uma profunda reestruturação do euro” nos próximos dez anos. Mas um conjunto de países, entre os quais Portugal, não sobreviverão em tão longo prazo, nem os interesses alemães e de outros se mostram disponíveis para essa reformulação. Uma “reestruturação do euro” só teria significado se inserida numa profunda mudança de políticas orçamentais e numa radical viragem das políticas europeias sustentada num pleno exercício democrático.

No plano nacional estes objetivos impõem, no imediato, pôr a claro que não foram atingidos os objetivos que o Governo PSD/CDS anunciou aos portugueses e pelos quais foi eleito. Que aquilo a que chama vitórias significa tão-só fracassos, com pesados sacrifícios para a esmagadora maioria da população, com a destruição de muitas empresas e a entrega a estrangeiros de partes fundamentais do tecido económico nacional, com uma enorme emigração que depaupera o país no imediato e no futuro.

Carvalho da Silva
Opinião JN 12.07.2015