Obrigado, Maria Barroso

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São poucos os que, antes da morte, reúnem unanimidade e consenso em relação ao papel que desempenham na sociedade. Maria de Jesus Barroso, não cometerei a heresia de a referir como “a mulher de Mário Soares”, foi certamente um desses raros exemplos. Talvez porque tinha uma inteligência superior e foi sempre leal na divergência sem que nunca se lhe ouvisse uma crítica gratuita ou deselegante a quem quer que fosse. De corpo franzino e aspeto frágil, era mulher de convicções profundas e causas que assumiu sem hesitações.

A liberdade e a democracia, a solidariedade e a justiça social, a educação e a cultura, foram faróis constantes de uma vida plena de intervenção cívica. Apoiou os presos políticos no tempo da ditadura a que resistiu sempre, fez-se atriz e declamadora de “poemas malditos” em desafio constante ao regime de Salazar que haveria de lhe cortar as pernas, ensinou, foi diretora e pedagoga no Colégio Moderno, fundou o Partido Socialista e criou a Fundação Pro Dignitate, que presidiu até ao último dia.

Fez, seguramente, muitas outras coisas que a tornaram notável. Desde logo foi “primeira–dama”, o título que não existe e que ela, num assomo permanente de generosidade e modéstia, sempre detestou. E empenhou-se pela paz e pela dignidade humana, valores, enfim, universais e elementares. Maria Barroso foi, de facto, um exemplo de dedicação e conduta cívica e cidadã, e, apesar da discrição com que sempre atuou, assegura um lugar na história contemporânea de Portugal. Diz o chavão que “por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher”. Não creio que a frase feita se aplique, de todo, a Maria de Jesus Barroso. Até porque, sem hipocrisias, o lugar-comum nem sempre é verdadeiro. Casada com Mário Soares, seguramente a maior figura da política portuguesa do século XX – várias vezes primeiro-ministro, dois mandatos como presidente da República, apenas para resumir -, Maria Barroso nunca cedeu à tentação de se anular ou deixar de trilhar um caminho próprio, com as suas ideias, com as suas convicções, com as suas opiniões, com as suas causas. Foi, como alguém disse, uma grande mulher ao lado de um grande homem, e tantas vezes à sua frente. Devemos-lhe, pois, gratidão por tudo o que nos deu. E temos o dever de a recordar como sempre a conhecemos: obrigado, Maria de Jesus Barroso!

Nuno Saraiva
Opinião DN 08.07.2015