Na literatura ou no cinema é conhecido um efeito de terror eficaz: a transformação do que é familiar em estranho, do que é amigável em hostil. Na vida política europeia está a suceder o mesmo. A Reuters revelou no dia 3, num texto assinado por Paul Taylor, algo que só nos pode fazer estremecer de espanto e náusea. Na passada quarta-feira, dia 1 de julho, na reunião do FMI em Washington, os países da zona euro tentaram impedir a divulgação de um importante relatório do FMI sobre a Grécia, que estava a ser produzido há muitos meses. Só a resistência dos EUA e de outros países não europeus permitiu, logo no dia 2, que ficássemos a saber que para o FMI a dívida grega (atualmente idêntica a 185% do PIB) precisa de uma reestruturação que a corte em pelo menos 30% do PIB, para além de necessidades de financiamento da ordem de mais de 50 mil milhões de euros. Os países da zona euro quiseram envolver o FMI, pela gestão do silêncio, na sua campanha de medo, mentira e desinformação a favor do voto sim no referendo de hoje. As conclusões do relatório confirmam a razoabilidade das propostas defendidas pelo governo do Syriza em matéria económica. Podemos pensar o que quisermos sobre a crise europeia, sobre a Grécia, e o nosso futuro coletivo. O que não é admissível é termos em Bruxelas gente que deliberadamente oculta informação relevante para o voto esclarecido de um povo que vive uma das suas horas mais difíceis. No dia em que na Europa a verdade for igual à mentira, a construção europeia passará do registo épico para uma sórdida narrativa de terror com um inevitável final truculento.
Viriato Seromenho-Marques
Opinião DN 05.07.2015