A agência de notícias Lusa espalhou, os jornais seguiram. É sempre fácil fazer notícias com títulos bombásticos como este:
“Sabe quantos pensionistas tem Portugal? 3,5 milhões”
O único senão é que… é um erro absurdo.
O absurdo do erro não começa nem acaba numa notícia de jornal. Antes de mais, é preciso entender que este é um número que nunca foi divulgado pelas entidades competentes. Isto é, sem erros. Antes de mais, é preciso entender que, como esta, há estatísticas óbvias que a Segurança Social e a CGA nunca tornaram públicas. Antes de mais, é preciso entender que, além dos jornais, outras entidades (como a Pordata) têm vindo a propalar estes erros sem que ninguém se preocupe em desmentir oficialmente a barracada.
Mas o que está mal? Em pouquíssimas palavras, o que ali se fala não é de pensionistas, mas antes de pensões. À primeira vista, o leitor pode achar que é pouca coisa. Mas desengane-se. A diferença é grande.
É que daqueles 3,5 milhões de pensões, há muitas (MUITAS, MESMO) que são atribuídas a uma mesma pessoa. E isto é muito mais frequente do que se pensa. Vamos aqui tentar inventariar todas (?) essas situações:
- Do lado da Segurança Social, há pensionistas que recebem uma pensão de velhice (ou de invalidez) e, em simultâneo, uma pensão de sobrevivência. Contam por dois no número total de pensões. O leitor pense naquelas viúvas e viúvos que, além da sua pensão de direito próprio, ainda recebem uma pensão de sobrevivência desde o falecimento do seu cônjuge. Em 2008, mais de metade dos pensionistas de sobrevivência (57%), de acordo com dados divulgados na altura, eram detentores de duas pensões. Se o mesmo rácio se mantiver hoje e se se tiver em conta que existem pouco mais de 700 milhares de pensões de sobrevivência, já teremos aqui razões para abater mais de 400 mil aos 3,5 milhões divulgados pela Lusa. Mas há mais.
- Ainda do lado da Segurança Social, há pensões provenientes de sistemas antigos, incluindo pensões das ex-colónias, que podem também acumular para um mesmo pensionista. Serão menos os casos, mas também contam por duas ou mais vezes nas estatísticas das pensões.
- Do lado da Caixa Geral de Aposentações (CGA), ocorre também dupla contagem de pensionistas sempre que um aposentado (detentor de uma aposentação, a designação da CGA para uma pensão de invalidez ou de velhice) acumule uma pensão de sobrevivência.
- E entre os números de pensões do CNP e da CGA há também uma sobreposição sempre que alguém aufere uma pensão de velhice ou invalidez de um dos sistemas e uma pensão de sobrevivência do outro (ex.: uma pensionista da Segurança Social viúva de um funcionário público ou vice-versa – de cada vez que isto acontece, e não é nada raro, há dupla contagem!).
Acabam por aqui as sobreposições? Não sei. Sou levado a apostar que não, mas tento não especular, que para falar do que não se sabe, já há muita gente a consegui-lo e a ter sucesso nas parangonas dos jornais.
Mas há quem saiba certamente do que fala quando coloca dados físicos, isto é, o número de pensionistas, num relatório sério e importante como é o “The 2015 Ageing Report“, da Comissão Europeia, sobre o qual tenho vindo a falar recentemente e que foi publicado na semana passada. Atenção, não é um relatório publicado no ano passado, há dois meses ou há duas semanas e que possa ter sido esquecido. Foi na semana passada, Lusa.
Ora, abramos então o dito relatório na página 363, onde encontramos a segunda parte da “country fiche” que resume todos os dados mais importantes relativamente ao nosso país. Aí, procuremos a linha “Pensioners (Public, in 1000 persons)”. O que diz na coluna relativa a 2013? 2552, pois. Ou seja, 2,5 milhões. Dois milhões, quinhentos e cinquenta e dois mil. E é uma estimativa feita pelos organismos nacionais ligados às Finanças e à Segurança Social que reportaram em conjunto os dados das suas projeções ao grupo de trabalho europeu responsável pelo relatório. Curiosamente, e por falar em projeções, nem sequer ao longo de todo o período da projeção, em que, como sabemos, o número de pensionistas aumentará significativamente, se atinge o número dos 3,5 milhões espalhados hoje aos quatro ventos pela Lusa.
Este é, com certeza, mais um bom dia para aqueles que tudo têm feito ao longo destes anos para que a Segurança Social continue a ser um edifício obscuro para a sociedade em geral, fruto de um sistema estatístico paupérrimo e a pedir atualizações mais do que urgentes no que mais importa. Quando se alia isso à fraca cultura estatística dos meios de comunicação, os vossos objetivos de acabarem com a Segurança Social pública estão certamente mais perto de acontecerem.
Ninguém se admire depois que o FMI ache que há pensionistas a mais…
Já agora, a não perder, brevemente num jornal perto de si:
“Bebés portugueses usam telemóveis para comunicarem!” (O parque de assinaturas móveis não ultrapassou há muito tempo os 10 milhões? Vejam aqui!)