Pela democracia

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Na sexta-feira passada, anteontem, o Fórum da TSF convocava para debate a qualidade da democracia. O Manuel Acácio perguntava aos ouvintes se os partidos estão sintonizados com as preocupações dos cidadãos ou, pelo contrário, se estão fechados sobre si próprios.

Como era de esperar, não faltaram as indignações inflamadas do costume contra os políticos, “esses malandros todos iguais”, e os apelos ao “boicote” eleitoral, leia-se abstenção. Só faltou o discurso taxista habitual “o que isto precisava era de um novo Salazar”. Confesso que este é o tipo de sermão que me irrita, sobretudo porque quem o profere não faz ideia, na maioria das vezes, do que foi viver em ditadura.

Por norma, e mesmo considerando o exercício pleno da liberdade que comporta o direito de não votar, não gosto de abstencionistas. Sobretudo porque são estes, maioritariamente, que, demitindo-se de participar e fazer escolhas, passam a vida a queixar-se e a dizer mal de tudo.

É evidente que os partidos têm culpas no cartório. Quando sistematicamente, legislatura atrás de legislatura, rasgam as promessas que fazem em nome do voto logo no dia seguinte às eleições, ficam com a parte de leão da responsabilidade pelo facto de mais de 80% dos portugueses estarem descontentes com a política. Mas essa desconfiança, aliada à profunda crise económica e financeira com as consequências que se conhecem, não deve, não pode, ser confundida com a natureza democrática do regime. E esse é o perigo maior que enfrentamos, 41 anos depois do 25 de Abril. Pela enésima vez, socorro-me da frase de Churchill: “A democracia é o pior dos sistemas, à exceção de todos os outros.” Como é evidente, esta não se esgota no momento do voto. E hoje, mais do que nunca, temos à disposição instrumentos de participação e intervenção cívica que não podemos deixar de usar. E aquilo que não se pode permitir é que se instale a ideia de que a culpa é apenas “deles”. Na verdade, a responsabilidade é nossa, de todos nós.

Veja-se o que aconteceu a 15 de setembro de 2012. Um milhão de pessoas saiu à rua em protesto contra a intenção do governo de transferir para os trabalhadores o pagamento da redução da TSU das empresas. Perante o poder da indignação, Passos Coelho recuou e nunca mais se ouviu falar do assunto. Tivemos naquele momento a prova de que, em democracia, é possível obrigar uma maioria parlamentar a mudar de ideias e a encontrar alternativas. O pior é que, depois dessa data, o país caiu no sono profundo da resignação e, em nome da inevitabilidade impingida, sujeitou-se a tudo.

O que faz falta é acordar. Não há, pelo menos eu não acredito, democracia sem partidos. E se eles se fecham sobre si próprios, se se empenham sobretudo nas lógicas de sobrevivência dos seus aparelhos, cabe-nos a todos nós ser motores da sua mudança. E não vale a pena fazer o discurso calimero de que não adianta ou de que ninguém nos ouve. É falso, como a história já o demonstrou. De uma vez por todas, é bom que nos entendamos: a liberdade, que muito prezo, permite fazer o apelo da abstenção e passar a vida a disparar contra os políticos e os partidos. Mas esse discurso, demissionário das responsabilidades, é, não tenhamos ilusões, a antecâmara das ditaduras.

Nuno Saraiva

DN 10.05.2015