O Primeiro-ministro, a Ministra das Finanças (ainda esta semana em Londres), o Secretário-geral do PS fizeram, em uníssono, uma profissão de fé nas virtualidades quase milagrosas da descida da TSU para a criação de novos empregos.
Esta obsessão “FMIana” consegue, assim e no meio de tantas alegadas divergências, o pleno do bloco central. Com variantes, é certo, mas com a mesma fórmula prescritiva.
A TSU foi, de todos os tributos do Estado, o que nunca aumentou desde que foi criado. O IRS, o IVA, o IRC e todos os outros impostos indirectos, taxas e taxinhas tiveram aumentos muito acentuados ao longo das últimas décadas e, em particular, na última.
De uma coisa, pois, a TSU não pode ser acusada: a de, por via de aumentos da sua taxa, ter contribuído para a destruição de emprego. Claro que isto não prova, só por si, o inverso, isto é o de não haver significativo acréscimo de postos de trabalho por se diminuir a taxa contributiva. Mas sobre isto já escrevi em anteriores posts, continuando a pensar que os efeitos são muito inferiores aos custos associados relativos à sempre invocada insustentabilidade futura da Segurança Social.
Aliás, basta ver o que vem acontecendo nos outros países. Para encurtar razões, remeto para o post de Francisco Louçã “Descer a TSU, o dogma dos países desenvolvidos?” que aqui cito num dos seus pontos: Vítor Junqueira, especialista em segurança social, fez as contas e verificou quantos dos “países desenvolvidos” utilizaram na Europa a TSU como instrumento de política, nos últimos cinco anos. Aqui está então o que fizeram os “países desenvolvidos” ao longo desta crise. O gráfico mostra esta realidade: só dois países desceram as contribuições para a segurança social, a Alemanha em insignificantes 0,1 e a Suécia em 2 pontos percentuais. Todos os outros ou subiram a contribuição (11 países, entre os quais Luxemburgo, Polónia, Finlândia, França, Grã-Bretanha) ou a mantiveram (11 outros países). Os “países desenvolvidos” ainda não se deram conta da proposta do PS.
Já agora, onde estavam o Governo e o PS quando, em 2013, foram criados dois novos Fundos, o Fundo de Compensação do Trabalho e o Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho, pelos quais as empresas são obrigadas a descontar uma percentagem do salário de novos trabalhadores (0,925% para o FCT e 0,075% para o FGCT, 1% no total). Então os arautos do milagre da multiplicação de empregos por via da redução da TSU não se escandalizaram com o aumento de 23,75% para 24,75% de encargos patronais sobre a massa salarial?
Fiz umas contas, assumindo os valores estimados no “Programa para uma década” e considerando números oficias dos trabalhadores por conta de outrem sobre cujos salários incide a TSU (patronal e empregado).
Conforme se pode ver no quadro anexo (clique nos quadros para os aumentar), até 2026 a Segurança Social verá diminuída as suas receitas contributivas num valor da ordem dos quase 14 mil milhões de euros (a verde, o valor total; a vermelho, estão os valores da TSU patronal que desce sucessivamente até 4 pontos percentuais, assim se mantendo; e a azul, a TSU dos trabalhadores que desce até atingir 7% do salário em 2018 e volta a subir até serem repostos os 11% em 2026).
Para compensar esta muito significativa perda, o documento apresenta quatro soluções: as receitas de um novo imposto sobre as heranças de elevado valor (que foram estimadas em 100 milhões de euros, um valor, aliás, muito voluntarista), 100 milhões resultantes de uma nova “taxa que internaliza o custo social de despedimento” e a afectação da parte do IRC cobrada pelo facto de não se voltar a reduzir a sua taxa, conforme o Governo havia anunciado para o próximo ano (de 21% para 19%), o que corresponderá, segundo a comissão de reforma do IRC, a cerca de 220 milhões.
Só considerando as perdas de TSU de 2016 a 2018 (3.680 Milhões €) e descontadas as receitas
compensatórias atrás referidas (1.260 M.), ficariam a faltar cerca de 2.420 M, que o documento estima que seria compensado pelo aumento da actividade económica e, consequentemente, da criação de novos empregos (ver quadro anexo).
Assim, só nos próximos 3 anos, seria necessária a criação acumulada de mais cerca de 570.000 novos empregos (considerei para os cálculos um salário médio mensal de 600 euros. Pode-se discutir se o valor deveria ser outro. No entanto, o cenário está construído como se os novos empregados em cada ano entrassem no dia 1 de Janeiro para terem 14 meses de salários, o que manifestamente não acontecerá). Tal equivale a um aumento percentual de emprego face ao presente de 15%! Olhando para a projecção do “Programa para uma Década“, o que lá vemos é um acréscimo de volume acumulado de emprego nos 3 anos à volta de 5%. Cada um que tire as suas conclusões, sem necessidade de recorrer à UTAO ou ao Conselho de Finanças Públicas.
Em vez da “diversificação das fontes de financiamento” de que se fala, estamos perante a “rarefação das fontes de financiamento”, com quatro parcelas: a) novos impostos de duvidosa produtividade tributária; b) consideração de não diminuição da taxa de um imposto (IRC) que, com o tempo, será esquecida; c) aumento de emprego pela varinha mágica da redução da pobre TSU; d) a elevada posta-restante, uma espécie de “há-de ser o que Deus quiser” (mesmo para agnósticos e ateus).