Reduziu-se a TSU em muitos outros países?

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Tem-se ouvido e lido ao longo da última semana que as taxas das contribuições para a Segurança Social — generalizando para a famosa TSU — têm servido de instrumento de política económica a vários Estados-membros da União Europeia. Mais concretamente, fala-se de reduções da TSU como ferramenta comum, quase banal, na oficina social europeia. Só não a usamos porque somos estúpidos.

Mas será mesmo assim? Houve assim tantas reduções? E com a envergadura que os partidos do arco da governação parecem querer pretender introduzir? Quais foram afinal os países que procederam a tais reduções? Uma breve consulta a informação disponível (*), revela-nos muito sobre esta matéria.

(*) Para o efeito, recorri ao MISSOC (Mutual Information System on Social Protection), um instrumento muito útil para qualquer estudo comparativo de sistemas de proteção social em países da União Europeia e da EFTA, e pus lado a lado as “fotografias” destes sistemas, a 1 julho de 2009 e a 1 de julho de 2014. Validei ainda este exercício para todos os Estados-membros através informação disponibilizada por colegas do projeto de microssimulação EUROMOD.
Advertências importantes:

  • As percentagens apresentadas (taxa total = parte do trabalhador + parte da entidade empregadora) são meras referências obtidas a partir das relações contributivas aparentemente mais comuns (por analogia com a “nossa” TSU), nas proporções que cubram os riscos mais comuns (essencialmente, velhice, invalidez, sobrevivência/morte, desemprego, parentalidade e prestações familiares). Dado que alguns dos sistemas podem ser bastante complexos, esta contabilização nem sempre será a mais correta, não prejudicando contudo a avaliação da evolução entre 2009 e 2014. 
  • Por outro lado, não são imediatamente comparáveis entre Estados-membros, pois dizem respeito a sistemas diferentes em virtude da natureza das respetivas abrangência, adequabilidade e diversificação de fontes de financiamento. Todos estes fatores contribuem para enormes diferenças entre os sistemas que podem explicar (ou não) as próprias diferenças entre as TSUs. 

Assim sendo, deste exercício constata-se que em apenas dois Estados-membros houve reduções nas respetivas TSUs. Ou talvez nem sequer isso. É que num destes, a Alemanha, é abusivo dizer que 0,1pp de diferença na taxa contributiva global representam uma redução digna de nota (em 2014: 39,45% = 20,176% + 19,275%).
Assim sendo, apenas na Suécia se verificou uma redução significativa da TSU, mais precisamente em cerca de 2pp (taxa em 2014: 25,64% = 7% + 18,64%).

Em 11 dos Estados-membros a TSU não se manteve, mas foi… aumentada:

  • Bulgária (30,3% = 12,9% + 17,4%; evolução: <1pp, no total)
  • Chipre (15,6% = 7,8% + 7,8%; evolução: 1pp, no total)
  • Finlândia (contribuições para pensões muito variáveis; evolução: cerca de 1pp)
  • França (40,75% = 10% + 30,8%; evolução: 4,5pp, no total)
  • Grécia (32,1% = 11,05% + 21,05%; evolução: <1pp, no total)
  • Hungria (46,5% = 18,5% + 28%; evolução: cerca de 2,5pp, no total; EUROMOD indica <1pp)
  • Letónia (34,09% = 10,5% + 23,59%; evolução: 1pp, no total; EUROMOD: >1pp)
  • Lituânia (30,8% = 3% + 27,08%; evolução: 0,1pp, no total)
  • Luxemburgo (23,8% = 11,05% + 12,75%; evolução: 0,2pp, no total)
  • Polónia (41,42% = 22,71% + 18,71%; evolução: 2pp, no total)
  • Reino Unido (25,8% = 12% + 13,8%; evolução: 2pp, no total)

Em outros 11 casos, a TSU permaneceu inalterada:

  • Áustria (37,7% = 17,2%+20,5%)
  • Bélgica (45,32% = 13,07% + 32,25%)
  • Dinamarca (8% + valores fixos e, claro, um recurso generalizado a impostos)
  • Eslováquia (42,8% = 13,4% + 29,4%)
  • Eslovénia (37,67% = 22,1% + 15,57%)
  • Espanha (35,35% = 6,25% + 29,1%)
  • Estónia (36% = 35% + 1% e outros impostos sociais)
  • Irlanda (12,5% = 4% + 8,5%)
  • Itália (37,97% = 9,19% + 28,78%)
  • República Checa (45% = 11% + 34%)
  • Roménia (43,85% = 17,05% + 26,8%).

Fora destas contas ficaram Malta, que tem um sistema contributivo assente numa lógica diferente, e Países Baixos, um sistema complexo onde houve evoluções em sentidos divergentes, não sendo claro o resultado final (mas onde não é abusivo concluir por uma manutenção do nível contributivo geral).

Onde reside então o significado para a ideia de que muitos países europeus têm reduzido a TSU para fins de política económica? Será que o alcance temporal deste exercício (cinco anos, ainda que sejam precisamente os cinco anos que coincidem com o ciclo terrível de austeridade e de políticas anti-crise, onde seria portanto expectável esta redução da TSU por quem a defenda nestes termos) é reduzido demais? Um olhar adicional ao MISSOC revela que mesmo que se esticasse o alcance temporal por outros cinco anos, os resultados seriam semelhantes. A única exceção cabe à Polónia, que nesse período terá reduzido as contribuições por conta dos riscos invalidez e sobrevivência, tanto por conta dos trabalhadores como das entidades empregadoras. É pouco.

Já que estamos em tempos de perguntas, repita-se uma vez mais esta: quais foram então esses outros países que reduziram a TSU para fins de política económica?

Tem piada, mas já dizia Vítor Gaspar, em 2011 — e tal serviu para pôr em causa a sua própria intenção de transposição para a realidade das intenções do FMI, um ano mais tarde, como sabemos — que A redução da TSU (…) ainda não foi usada deliberadamente por nenhum país para ganhar competitividade. É algo não testado.

Vitor Junqueira
https://www.apre-associacaocivica.pt/2015/04/reduziu-se-tsu-em-muitos-outros-paises.html