Foi agora a vez de o PS apresentar o seu quase-programa eleitoral. Continuamos, assim, na onda dos “quase”. Uma quase-bíblia de 12 quase-apóstolos (ou quase-ministros?), para quase parafrasear António Costa.
Muito haverá a dizer sobre o extenso documento. Tem, aliás, a vantagem de colocar a análise e discussão dos principais desafios do País em campos bem diferenciados do ponto de vista ideológico. De um lado, uma doutrina liberal, apostando no crescimento pelo lado da oferta, do tecido empresarial e das exportações, com preocupações sociais qb; de outro lado, uma visão neo-keynesiana, centrada no estímulo da procura por via do aumento do rendimento disponível, do investimento público e com um pendor social mais visível. De um lado pague já, receba depois (receita certa, fé na redução da despesa), do outro lado, receba já, pague depois (despesa certa, receita logo se vê).
Mas, por agora, apenas quero salientar um ponto, que reputo de muito preocupante. Refiro-me à instrumentalização do sistema contributivo da Segurança Social (SS), que tem sofrido, nos últimos anos, uma descaracterização por via de alterações pontuais sem consistência sistémica. Mas, agora, estamos perante seu uso e abuso para outros fins, por mais defensáveis que aparentem ser. Sobre a redução da TSU relativa à parte das empresas já, há dias, escrevi neste blogue. Mas o PS vai mais longe: quer uma redução gradual e transitória da TSU dos trabalhadores de 4 p.p. Somada à da entidade patronal atinge 8 p.p. (ou seja no total 23% das receitas totais da TSU, qualquer coisa à volta de 3.000 milhões por ano (muito mais do que a estimativa do documento do PS).
E ironia das ironias: esta redução da TSU dos trabalhadores acaba por ter o mesmo efeito (para a SS) do chamado “plafonamento vertical” sempre repudiado pelo Partido Socialista! Ou seja: dos actuais 11 % dos salários descontados, 7% continuam a sê-lo e 4% vão para poupança ou consumo. Hélas!
A maioria e também o PS, ainda que com matizes diferentes, têm falado e alimentado a ideia sentenciadora da insustentabilidade a prazo do sistema da SS. E, perante tal, o que propõem? Diminuir as suas receitas próprias drasticamente, assim contribuindo para aquela ideia, em vez de a contrariar. Paradoxal, não é? Em troca, embora de diferentes modos, propõem-se substituir as receitas próprias e consignadas da SS por intenções, mais ou menos vagas ou miríficas. O Governo fala em mais emprego para colmatar menos taxa (ver números no meu post “De novo a TSU“) O PS fala numa macedónia de novos impostos ou eliminação de reduções de taxas como no IRC (como se uma não redução do IRC fosse uma receita efectiva!) e numa fezada no ritmo de crescimento. Isto não é a diversificação das fontes de financiamento da SS, é a usurpação da base contributiva e a diluição da lógica previdencial trocando o certo pelo incerto e discricionário.
Com isto fazem gato-sapato do sistema da Segurança Social e dá-se uma machadada no contrato social que o enforma. O chamado regime previdencial ou seguro social fica completamente descaracterizado, perde uma parte importante da sua lógica sinalagmática ou comutativa de relação entre o desconto feito e o benefício atribuído, fica completamente refém da pura lógica orçamental global do ministério das Finanças. Aliás, é curioso constatar a contradição da proposta socialista: dão um golpe na lógica contributiva das pensões com a forte redução da taxa que as financia, introduzindo uma acrescida componente fiscal, mas depois apelam à enfraquecida lógica contributiva para a futura redução das pensões!
Em suma, nesta matéria o documento entregue ao PS não deve ser levado muito a sério. Espero que as pessoas competentes do partido nesta área façam o seu trabalho…