Justificar o injustificável

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Se um dia destes me chegar alguma carta incómoda sobre eventuais dívidas que me tenha esquecido de pagar, está decidida a fórmula a usar em minha defesa: “Estava convencida de que, na época, era opção” pagar ou não. Todos os contribuintes a braços com penhoras, pagamentos dolorosos a prestações e descontos quase tão altos como os rendimentos devem socorrer-se do inspirador exemplo do primeiro-ministro.

De pouco interessa se tudo está legalmente justificado no caso das dívidas de Pedro Passos Coelho à Segurança Social – beneficiou, com mais 107 mil contribuintes, de um “erro básico” dos serviços que impediu a cobrança, acabando o processo por prescrever. Ouvir um primeiro-ministro invocar desconhecimento de uma lei aprovada enquanto era deputado é tão absurdo que desobriga da benevolência de ouvir as demais justificações. Se desconhecer a lei justifica os incumprimentos, simples: quem quiser pisar o risco com nível, apenas precisa de evitar escrupulosamente o “Diário da República”. E serviços públicos para esclarecer os cidadãos? Não é preciso. Aguardemos que as cobranças coercivas (não) funcionem.

Percebo o incómodo do primeiro–ministro com esta aborrecida manipulação de “dados pessoais e sigilosos” divulgados “em ano eleitoral”. Como percebo, de resto, que de imediato tenham surgido nas redes sociais bocas sobre outros incumprimentos no pagamento de impostos por parte de candidatos de partidos da Oposição.

Temas como evasão fiscal ou contributiva, quando estão em causa titulares de cargos públicos, não são de todo tabus que possam ser remetidos para a esfera privada. Demonstram o grau de rigor e respeito pela legalidade que podemos esperar deles no desempenho de funções. Será muito pedir a quem nos governa que tenha a decência de dar o exemplo e de mostrar, no seu percurso profissional, o mesmo rigor que exige aos contribuintes?

Inês Cardoso
Opinião JN 03.03.2015