SENHOR PROVEDOR DE JUSTIÇA
EXCELÊNCIA:
A APRe!, – Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, com sede na Rua Jorge Mendes, Lote 1, nº 5, r/chão, esqº, 3000-561 Coimbra, vem requerer o seguinte:
A Lei nº 82-B/2014, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento de Estado para 2015, estabelece, no seu artº 79º, o seguinte:
“Artigo 79.º
Contribuição extraordinária de solidariedade
1 — As pensões, subvenções e outras prestações pecuniárias de idêntica natureza, pagas a um único titular, são sujeitas a uma CES, nos seguintes termos:
a) 15 % sobre o montante que exceda 11 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS), mas que não ultrapasse 17 vezes aquele valor;
b) 40 % sobre o montante que ultrapasse 17 vezes o valor do IAS.
2 — O disposto nos números anteriores abrange, além das pensões, todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a qualquer título a aposentados, reformados, pré-aposentados ou equiparados que não estejam expressamente excluídas por disposição legal, incluindo as atribuídas no âmbito de regimes complementares, independentemente:
a) Da designação das mesmas, nomeadamente pensões, subvenções, subsídios, rendas, seguros, indemnizações por cessação de atividade, prestações atribuídas no âmbito de fundos coletivos de reforma ou outras, e da forma que revistam, designadamente pensões de reforma de regimes profissionais complementares;
b) Da natureza pública, privada, cooperativa ou outra e do grau de independência ou autonomia da entidade processadora, nomeadamente as suportadas por institutos públicos, entidades reguladoras, de supervisão ou controlo, empresas públicas, de âmbito nacional, regional ou municipal, caixas de previdência de ordens profissionais e por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo, designadamente:
i) Centro Nacional de Pensões (CNP), no quadro do regime geral de segurança social;
ii) CGA, I. P., com exceção das pensões e subvenções automaticamente atualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no ativo, que ficam sujeitas às medidas previstas na presente lei para essas remunerações;
iii) Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS);
iv) Instituições de crédito, através dos respetivos fundos de pensões, por força do regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho vigente no setor bancário;
v) Companhias de seguros e entidades gestoras de fundos de pensões;
c) Da natureza pública, privada ou outra da entidade patronal ao serviço da qual efetuaram os respetivos descontos ou contribuições ou de estes descontos ou contribuições resultarem de atividade por conta própria, bem como de serem obrigatórios ou facultativos;
d) Do tipo de regime, legal, convencional ou contratual, subjacente à sua atribuição e da proteção conferida, de base ou complementar.
3 — O disposto nos números anteriores não é aplicável ao reembolso de capital e respetivo rendimento, quer adoptem a forma de pensão ou prestação pecuniária vitalícia ou a de resgate, de produto de poupança individual facultativa subscrito e financiado em exclusivo por pessoa singular.
4 — Para efeitos de aplicação do disposto nos n.os 1 e 2, considera-se a soma de todas as prestações percebidas pelo mesmo titular, independentemente do ato, facto ou fundamento subjacente à sua concessão.
5 — Nos casos em que, da aplicação do disposto no presente artigo, resulte uma prestação mensal total ilíquida inferior a 11 IAS, o valor da CES devida é apenas o necessário para assegurar a perceção do referido valor.
6 — Na determinação da taxa da CES, o 14.º mês ou equivalente e o subsídio de Natal são considerados mensalidades autónomas.
7 — A CES reverte a favor do IGFSS, I. P., no caso das pensões atribuídas pelo sistema de segurança social e pela CPAS, e a favor da CGA, I. P., nas restantes situações, competindo às entidades processadoras proceder à dedução e entrega da contribuição até ao dia 15 do mês seguinte àquele em que sejam devidas as prestações em causa.
8 — Todas as entidades abrangidas pelo n.º 2 são obrigadas a comunicar à CGA, I. P., até ao dia 20 de cada mês, os montantes abonados por beneficiário nesse mês, independentemente de os mesmos atingirem ou não, isoladamente, o valor mínimo de incidência da CES.
9 — O incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo da entidade pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o beneficiário, pela entrega à CGA, I. P., e ao CNP da CES que estas instituições deixem de receber e pelo reembolso às entidades processadoras de prestações sujeitas a incidência daquela contribuição das importâncias por estas indevidamente abonadas em consequência daquela omissão.
10 — As percentagens constantes do n.º 1 devem ser reduzidas em 50 % em 2016 e eliminadas em 2017.
11 — O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, de base legal, convencional ou contratual, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos, com exceção das prestações indemnizatórias correspondentes, atribuídas aos deficientes militares abrangidos, respetivamente, pelo Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 93/83, de 17 de fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de maio, 259/93, de 22 de julho, e pelas Leis n.os 46/99, de 16 de junho e 26/2009, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 314/90, de 13 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 146/92, de 21 de julho, e 248/98, de 11 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 250/99, de 7 de julho, bem como das pensões indemnizatórias auferidas pelos deficientes militares ao abrigo do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, das pensões de preço de sangue auferidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 161/2001, de 22 de maio, e da transmissibilidade de pensão dos deficientes militares ao cônjuge sobrevivo ou membro sobrevivo de união de facto, que segue o regime das pensões de sobrevivência auferidas ao abrigo do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 240/98, de 7 de agosto.”
No entendimento da APRe!, trata-se de uma disposição ferida de inconstitucionalidade.
Com efeito, o que tal disposição estabelece é a manutenção da chamada Contribuição Extraordinária de Solidariedade em 2015, atingindo com uma ablação de 15% do montante da pensão, no que exceda 11 IAS, aposentados, reformados e pensionistas com pensões acima daquele montante; e 40% de idêntico montante da pensão, no que exceda 17 IAS, ao mesmo grupo de cidadãos com pensões acima de tal montante.
Trata-se de uma tributação de natureza parafiscal – assim a vem qualificando o Tribunal Constitucional -, que teve o seu início no ano orçamental de 2011 e que se manteve nos anos sucessivos: 2012, 2013 e 2014.
Nos termos do referido artº 79º da Lei do OE para 2015, tal tributação vai manter-se em 2015; e, curiosamente, a mesma disposição orçamental estabelece desde já a sua manutenção em 2016 – não obstante o princípio da anualidade orçamental não permitir acolher disposições para vigorarem após o encerramento do ano orçamental.
Tal estipulação é susceptível de configurar violação do sub-princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito, constante do artº 2º da Constituição da República.
É certo que, em várias pronúncias, o TC não tem acolhido pedidos de declaração de inconstitucionalidade da CES, segundo o parâmetro da protecção da confiança.
Mas a questão, salvo o devido respeito, deverá ser reexaminada pelo TC no contexto do mais recente acórdão sobre esta matéria: o acórdão nº 572/2014, de 30 de Julho de 2014.
Este acórdão, na verdade, a dado passo da fundamentação, refere que o seu juízo de constitucionalidade segundo o parâmetro da protecção da confiança se baseia no facto de, na Exposição de Motivos do diploma rectificativo da LOE para 2014, o Executivo afirmar que 2014 seria o último ano de vigência da CES, assim gerando nos particulares visados pela medida a convicção legítima de que, após esse ano, tal tributação excepcional das suas pensões não se replicaria.
Recorde-se a seguinte passagem desse acórdão:
“22. A avaliação da relação entre a importância do interesse público no reforço do financiamento da segurança social, como instrumento de equilíbrio orçamental, e a gravidade do sacrifício causado pela CES, não traduz uma medida diferente daquela que se obteve na LOE de 2013. Tal como se concluiu no Acórdão n.º 187/13, a avaliação da reconfiguração da CES pelas normas impugnadas conduz ao mesmo juízo ponderativo: aquele interesse público reveste de “importância fulcral e um caráter de premência que lhe confere uma manifesta prevalência, ainda que não se ignore a intensidade do sacrifício causado às esferas particulares atingidas pela nova contribuição”.
Com efeito, razões de vária índole indicam que a reconfiguração da CES pela Lei n.º 13/2014, de 14 de março, se encontra ainda dentro dos limites da razoabilidade exigível.
Em primeiro lugar, a CES continua a manter as características de excecionalidade e transitoriedade que em 2011 marcaram a sua entrada no universo tributário. Enquadrada nas medidas de “redução de despesa”, teve por objetivo principal exigir aos beneficiários atuais da segurança social um contributo ao financiamento do sistema num período de emergência económico-financeira. Numa conjuntura de absoluta excepcionalidade financeira, de desequilíbrio orçamental que levou à assunção de compromissos internacionais e europeus, a CES constitui uma medida de caráter excecional que, entre outras medidas, visa ultrapassar a gravidade daquela situação. E daí que, no pressuposto de que essa conjuntura seja ultrapassada, a CES foi sempre consagrada em norma orçamental, cuja vigência é sempre anual. No entanto, sem deixar de ser uma medida de caráter transitório, de acordo com a sua razão de ser e natureza, era expectável que vigorasse por um horizonte temporal mais alargado, correspondente ao período de vigência do PAEF acordado em 11 de maio de 2011 pelo Governo Português com o Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu, para vigorar por um período de três anos (sublinhado nosso).
Tendo já cessado esse Programa, sabe-se agora, através da Nota Explicativa do Governo e do Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, que a CES cessa definitivamente no fim do corrente ano económico. Ora, este novo elemento só pode pesar em favor do interesse público prosseguido com o alargamento da base de incidência subjetiva da contribuição – o equilíbrio orçamental em 2014 – já que os pensionistas atingidos por esse alargamento sabem que, com aquela natureza e finalidade, a contribuição já não será renovada no próximo ano (sublinhado nosso), podendo manter ainda algum nível de expectativas de estabilidade e continuidade que possuíam antes da afetação.”
(Tal facto é, aliás, realçado na declaração de voto da Exma. Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros.)
Para além desse reforço das expectativas legítimas dos aposentados, reformados e pensionistas quanto à cessação da CES, induzida pelas afirmações do próprio Executivo em sede de processo legislativo, importaria que o Tribunal Constitucional apreciasse ainda a constitucionalidade da medida, após o encerramento de PAEF, que constituiu o primeiro fundamento dela, bem como sob a perspectiva de a mesma se manter por 6 anos (2011-2016), ao invés dos 4 anos que suscitaram a apreciação constante do referido Acórdão – tendo em conta a natureza excepcional e transitória que tem sido, de par com a coincidência temporal com o PAEF, a motivação das citadas decisões anteriores do TC sobre a CES.
Pelas razões expostas, a APRe! requer que Vossa Excelência promova junto do Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade do artº 79º da Lei nº 82-B/2014, de 31 de Dezembro, designadamente os seus nsº 1, 2 e 10.
Pede deferimento,
A Presidente da Direcção,
(Maria do Rosário Gama)
Coimbra, 27 de Janeiro de 2015