O ministro da Saúde pode deitar a água na fervura que quiser, pode repetir à exaustão que no resto do Mundo também se morre muito nas urgências, mas não pode sugerir que os portugueses recorrem às urgências por “hábito cultural”. Não é exatamente como aprender a pôr o cinto de segurança do carro e entranhar o conceito de que as priscas não devem ser atiradas para o chão. Em princípio, as pessoas recorrem às urgências dos hospitais porque precisam. E porque confiam no Serviço Nacional de Saúde.
Paulo Macedo não se comove com as 700 mortes nas urgências registadas nos primeiros 20 dias do ano. Desdramatiza quando ouve falar em médicos e camas a menos. Parece, enfim, responder a tudo com a calma sibilina do violinista que se afunda com o “Titanic”.
Morrer nas urgências é normal, acontece a muitos portugueses no inverno e no verão. Morrer nas urgências sem ser atendido, depois de nove horas de espera, não é normal, é desumano. Em particular, porque se trata, na esmagadora maioria dos casos, de portugueses de idade avançada, sem grande poder aquisitivo e, não raro, sem uma necessária retaguarda familiar.
Os responsáveis do Ministério da Saúde continuam a confundir (deliberadamente) estes conceitos: ninguém os culpa por haver portugueses que morrem nas urgências. Mas ninguém os pode ilibar da responsabilidade de haver portugueses que morrem nas urgências à espera de cuidados.
É um ciclo perigoso, este: o Estado corta nas reformas aos idosos, deixa-os mais suscetíveis aos caprichos da velhice e, na hora de os tratar, abandona-os, doentes, sem sequer lhes perguntar de que se queixam. Quer dizer, perguntar até pergunta, mas apenas para achar a cor certa da pulseira com que se vai esquecer deles passados cinco minutos.
PEDRO IVO CARVALHO
Opinião JN 25.01.2015