Falta Humanidade ao Mundo

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“Estamos sozinhos, não temos ninguém que nos ajude”. Este foi um apelo dito às portas da Europa por uma passageira do segundo navio à deriva encontrado no Mediterrâneo, no espaço de três dias.
Foi uma chamada de socorro, mas ecoa como uma denúncia contra a barreira que o egoísmo da Europa, em particular, e o mundo rico, em geral, levantam aos milhões de pessoas que nasceram no lado errado do Planeta. “Errado” por razões económicas, mas também perdido por conflitos como o da Síria, que vieram agravar o fluxo de imigrantes. Ao longo de 2014, terão sido 270 mil imigrantes clandestinos a entrar no continente, um aumento de 60% face ao ano anterior.

Apesar deste aumento brutal, o assunto quase não figurou nas habituais revistas do ano porque o tema queima. Numa Europa que se mostra avara em ser solidária com os seus próprios membros, quantos agentes políticos, quantos líderes de opinião se levantam para dizer que tem de haver outra estratégia para lidar com este impulso de sobrevivência?

As novas estratégias que adotam as máfias da imigração – que beneficiando de um economia de escala criam os “navios-fantasma” – deviam-nos lembrar que a exemplo da Lei Seca ou da “guerra às drogas”, a proibição cega só cria oportunidades para os criminosos e multiplica as vítimas: 4868 imigrantes morreram em 2014 a tentar dar o salto.

Um continente em défice de natalidade devia perceber que a globalização que é tão natural para capitais, ambiente, tecnologias, cultura, também tem de ser para as pessoas. Mas se excetuarmos a notável ação do Papa Francisco, continuam a faltar, no terceiro milénio, líderes que mostrem coragem para abrir outros caminhos para lidar com o que não se pode parar e que deem um maior sentido à palavra Humanidade.

DAVID PONTES
Opinião JN 04.01.2015