«Vamos comer os velhos» Entrevista de Raquel Varela à Time Out
Em 1729, o autor irlandês Jonathan Swift publicou Uma Modesta Proposta, ensaio satírico em que sugeria que as gentes pobres do seu país ganhassem alguma folga na economia doméstica vendendo os filhos como alimento para senhores e senhoras distintos e dados a gostos que – dada a classe social – se chamariam excentricidades. É precisamente a esse texto que Raquel Varela e Rui Zink (ela historiadora, ele professor de literatura) pedem de empréstimo o título Uma Modesta Proposta para Tirar o País da Crise e, já agora, a ideia motora de Swift.
“A grande proposta é comermos os velhos para ficarmos com as reformas e ao mesmo tempo aumentar os níveis de produtividade porque vão servir de carne para alimentar muita gente”, explica Raquel Varela.
Este espectáculo, que Varela e Zink hesitam em classificar como conferência, performance ou stand up, recorre, naturalmente, a uma estratégia de trazer o absurdo para a boca de cena a fim de ajudar a enfrentar mais claramente os factos. E fala-se de factos porque Raquel Varela leva consigo estudos sobre questões de trabalho, segurança social e Estado social, trocando a seriedade académica pela desconstrução sarcástica.
“Estando nós numa situação de emergência nacional – não para pagar a dívida mas para pôr fim a esta política –, achámos que o nosso contributo era importante”, confessa a historiadora, admitindo um “objectivo declarado de intervenção social” na apresentação de Uma Modesta Proposta…, ideia nascida após o encontro dos dois no Festival Literário da Madeira para discutir A Arte de Pagar as suas Dívidas, de Balzac.
A reboque da proposta principal, os conferencistas avançam com outras ideias que promovam a produtividade e que, em sentido contrário, chamem a atenção para a crença de que “uma sociedade não se deve orientar por relações mercantis” ou arrisca-se a perder “qualquer tipo de valor humano, social e civilizacional – podemos acabar a vender os nossos pais, os nossos avós, a Auto Europa pode passar a fabricar tanques em vez de carros, podemos produzir armas em vez de comida”. Quanto ao propalado regresso aos mercados que provoca insónias aos governantes, Varela e Zink acreditam que deveria significar, antes de mais, a possibilidade de muitos voltarem a carregar uma sacada de legumes, fruta e peixe fresco para abastecer o frigorífico e a despensa.