AINDA SOBRE AS PENSÕES DE SOBREVIVÊNCIA
Desculpem voltar ao tema, (…) mas a demagogia, a ignorância (?), o palavreado sem vergonha e os voluntários e enganosos discursos dos políticos e de muitos “doutos” comentadores, levam-me a sublinhar os seguintes pontos:
1. As pensões de sobrevivência, que incluem as pensões de viuvez e de sobrevivência, integram o sistema previdencial contributivo do regime geral da segurança social, sendo de frisar que aquele sistema, além do seu auto-financiamento (receitas exclusivas do Orçamento da Segurança Social), tem por base uma relação sinalagmática entre a obrigação legal de contribuir e o direito àquelas prestações, ou seja, é condição de acesso às mesmas prestações a existência de um período prévio de descontos.
Porque se incluem na protecção da eventualidade “morte”, esta prestação faz parte da herança do seu titular, pois a morte é o evento (ou acontecimento) que dá origem a esta prestação, que todavia é diferente do direito do beneficiário à mesma prestação (o/a viúvo/a, e/ou seus sobreviventes).
O direito à prestação de viuvez e sobrevivência do regime contributivo, tem como objectivo compensar os familiares da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte do seu titular.
2. Assim, não é correcto falar-se aqui na acumulação de pensões, pois:
a) O titular do direito não é o beneficiário desse mesmo direito: o titular do direito é a pessoa que faleceu (o facto jurídico ou evento que origina a prestação é a morte), e o beneficiário do direito é aquele (viúvo /viúvo ou outros descendentes ou ascendentes) que, em virtude da morte do titular, viram diminuídos os rendimentos do agregado familiar.
b) A natureza da acumulação de pensões é obviamente distinta, porque esta supõe a mesma titularidade, ou seja, é seu pressuposto que o titular do direito é o mesmo, embora por descontos efectuados para mais do que um regime de protecção.
c) As situações de eventual acumulação de pensões emergentes de diferentes eventualidades (caso da situação de um pensionista de velhice auferindo também uma pensão de viuvez), já se encontram regulamentadas, não podendo em caso algum, resultar da sua aplicação montante inferior ao da prestação mais elevada nem excesso sobre o valor total (conforme dispõe o artigo 67º, nº 2 da Lei de Bases da Segurança Social – Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro).
3. Ora, as pensões de viuvez / sobrevivência que integram o sistema previdencial, são prestações que apresentam regras de acesso ao direito e fórmulas de cálculo que caracterizam aquele sistema, não sendo por isso compatíveis nem coerentes, na técnica da sua atribuição e na estrutura do nosso Sistema de Segurança Social, com a chamada “condição de recursos”.
Esta condicionante da determinação do acesso ao direito e do respectivo montante tem uma lógica de prestação não contributiva (quer do sistema de cidadania quer do sistema de solidariedade, conforme a Lei de Bases da Segurança Social), cujo financiamento provém de transferências do Orçamento do Estado, e não financiadas por verbas do Orçamento da Segurança Social.
Mas claro que existem pensões de sobrevivência atribuídas a pensionistas de regimes não contributivos, como a pensão social, e aos quais já se aplicam as “condições de recurso” legalmente fixadas. Estas verão as condições ainda mais apertadas também?
4. Por último, a aplicação retroactiva das alterações preparadas, ofendem não apenas os vivos que as auferem por direito que lhes foi reconhecido, após a morte do titular do direito, mas ofendem a própria memória dos mortos, que deixaram as prestações aos seus familiares, na convicção de que os mesmos manteriam algo para que, com o seu trabalho, haviam adquirido sob palavra e na confiança e boa fé da actuação do Estado.
António Lopes Dias