A QUESTÃO ATUAL DOS APOSENTADOS
Pretendemos, neste texto, abordar a problemática dos novos cortes nos valores das pensões, que têm vindo a ser difundidos, através da comunicação social, pelo governo, de maneira “descuidada”, difusa, informal e imprecisa, relativos uma alegada taxa de sustentabilidade e à “convergência” entre as pensões pagas a aposentados (em sentido amplo) pela Segurança Social e as processadas pela CGA.
DESVIOS E “ROUBOS” DAS PENSÕES
Há um conjunto de questões que já foram amplamente abordadas na comunicação social, nos meios académicos e/ou pela Apre! que aqui não desenvolvemos, pois damo-las como provadas: 1) ao longo do tempo assistimos ao desvio, para outros fins, e ao “roubo” dos fundos de pensões constituídos pelos descontos de trabalhadores e entidades patronais; 2) os fundos de pensões que foram sendo integrados no Estado, desde o tempo do ministro Sousa Franco, foram servindo para diminuir os défices orçamentais e para pagar despesas que deviam ter sido pagas pelos impostos (os submarinos encomendados por Paulo Portas terão sido assim pagos no tempo do ministro Teixeira dos Santos); 3) hoje, mais de 60000 pensionistas que descontaram para esses fundos estão a ser pagos pela CGA, mas o dinheiro dos seus descontos foi em grande parte já gasto; 4) a alegada insustentabilidade da segurança social – tal como a comunicação social apresenta o problema – não resulta de descontos insuficientes feitos pelos trabalhadores e empregadores, nem tanto da demografia, mas sim daqueles desvios, da falta de desenvolvimento económico e do aumento em flecha do desemprego; 5) a “geração grisalha” é que foi “roubada” e os seus descontos, nalguns casos, ter-se-ão substituído aos impostos no pagamento, indiretamente, do bem-estar geral e das infraestruturas de que beneficiam hoje novos e velhos; 6) os sacrifícios não têm sido para todos, os aposentados têm sido o alvo principal da austeridade: a C.E.S. prova, eloquentemente, o tratamento iníquo a que têm sido sujeitos, não obstante a especial proteção económica que CRP confere aos idosos.
Os factos estão aí para o provar, sem margem para dúvida: os aposentados e reformados têm sido o principal alvo do ataque aos rendimentos dos portugueses. Basta atentar, como se referiu, na chamada “contribuição extraordinária de solidariedade”! A iniquidade, relativamente a outros titulares de rendimentos, é patente. O desprezo pelo seu direito constitucional à sua segurança económica, enquanto idosos, mais agrava o caráter iníquo das medidas de que têm sido alvo, quando, ao contrário, a proteção económica e social que a Constituição da República lhes confere deveria implicar uma sua discriminação positiva
UM AMPLO CONSENSO SOCIAL
Nos dias em que escrevemos, são conhecidas as moções apresentadas ao congresso do CDS, pelos seus principais dirigentes; é conhecida a posição comum das confederações patronais, defendendo, em uníssono, a inflexão da política económico-financeira e reconhecendo o falhanço da execução do memorando (“as confederações patronais unem-se e desafiam governo a dar novo rumo a Portugal”, titulou o Correio da Manhã); o ministro das finanças sueco diz que Portugal, Espanha e Grécia não precisam de mais austeridade. Todos vão no mesmo sentido, de que se tem de por fim à austeridade, de modo a incrementar o consumo interno, um dos motores do relançamento da economia. Há um largo consenso em Portugal neste campo e ele também vai fazendo caminho na Europa.
O próprio FMI, na sétima avaliação, lança dúvidas sobre a capacidade de serem atingidos os principais objetivos do programa de ajustamento, o que, implicitamente, questiona a política de austeridade seguida. Nos últimos dias, porém, enquanto saem notícias “inquestionáveis” de que o governo está a trabalhar nos cortes das pensões e na despesa com os funcionários públicos, a comunicação social dá relevo à questão do abaixamento dos impostos (e supostas divergências no governo sobre este assunto), esquecendo a iniquidade e potencial inconstitucionalidade que encerram as medidas de austeridade que se pretende impor aos pensionistas e os seus indesmentíveis efeitos no prolongamento da recessão.
UM CALENDÁRIO APERTADO
Chegaram e partiram, entretanto, os técnicos que vêm preparar a próxima vinda da troica a 15 de julho e, até lá, segundo adiantam os jornais, serão apresentadas na AR as propostas de diplomas que concretizem os cortes de 4700 milhões de euros na despesa pública do Estado. Na mesma altura, será conhecido, com um atraso de 5 meses, o projeto de reforma do Estado (pelos prenúncios, um mero “plano de cortes”), de cuja elaboração se encarregou o ministro Paulo Portas. A partir desta data, inicia-se a 8ª avaliação (do cumprimento do Memorando). Segundo os timings do Governo, tudo deverá estar pronto no final do mês, antecedendo a silly season.
Os complexos tempos atuais ou serão tempos de inflexão das políticas até aqui seguidas ou, a vingar o fanatismo, serão prenúncio de tempestade perfeita: avolumar da crise social e definhamento económico. Ninguém o duvida. O próprio primeiro-ministro continua a manter a crença na retoma do crescimento da economia já no final do ano, o que não se vê como poderá acontecer, a manter-se o curso atual das coisas.
(IN)COERÊNCIAS E LEGALIDADE
Paulo Portas está cativo da sua posição, pública e solene, relativa à chamada taxa de sustentabilidade das pensões, anunciada pelo primeiro- ministro. E como poderá ele aceitar o corte de 10% ou mais, com efeitos retroativos, nas pensões pagas pela CGA? Será que este corte faz parte da sua “reforma do Estado”? Paulo Portas (ou outros por ele), também acena, tendo como pretexto a necessidade de a retoma da economia pela via do aumento da procura interna, com a necessidade de redução de impostos, incluindo o IRS. Como poderá ele defender esta redução, deixar cair a taxa de sustentabilidade e, ao mesmo tempo, “deixar passar” a taxa de convergência, com efeitos retroativos? “Se [o corte retroativo nas pensões] avançar cai o Governo de certeza absoluta, porque o ministro Paulo Portas não tem outra solução senão ir-se embora. Há uma crise política, logo não será este Governo a aplicar essa medida”, disse, de forma acutilante, a ex-ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite na TV. “[Paulo Portas] disse solenemente que a retirada de rendimentos aos pensionistas era uma fronteira que não poderia ultrapassar, quando o que estava em causa era um corte de 3,5%. Então não pode ultrapassar com 3,5% e já pode com 10%?”, interrogou a ex-presidente do PSD, na mesma altura.
Mas, para além de tudo isso, resta a decisiva questão da (in)constitucionalidade de tão “perversas” quanto iníquas medidas. Aqui, poucos duvidarão de que o governo age no fio da navalha. A confirmarem-se as divisões que os jornais afirmam existirem no seu seio, quanto a esta matéria, o governo poderá estar, mesmo, a caminhar na corda bamba, numa tentação suicida de confirmar a profecia da anterior presidente do PSD…
Lê-se, no jornal i (30/6), que as conclusões de cinco dias de trabalho, em Lisboa, de técnicos da troica “apontam para riscos políticos e constitucionais na implementação das medidas apresentadas no início de maio” e que eles duvidam da sua constitucionalidade, e da vontade e capacidade do governo para efetuar os cortes na despesa pública, no montante de 4,7 M de euros com que se comprometeu na carta que em 3 de maio endereçou aos responsáveis da CE, do BCE e do FMI.
O imbróglio é grande!
UMA POSSÍVEL SAÍDA
No referente aos aposentados, estarão em causa os cortes de 436M€ e 672M€ (segundo o FMI, 740M€ segundo o governo) correspondentes, respetivamente, à chamada contribuição de sustentabilidade dos sistemas de pensões e à “convergência” entre eles. Há, como vimos, uma elevada probabilidade das medidas com esse sentido serem consideradas inconstitucionais. O governo sabe-o e receia-o. O ministro Paulo Portas considera, como se disse, que a aprovação da “TSU dos reformados” está para lá da linha vermelha cuja ultrapassagem não aceita. Está acordado que poderá ser substituída por medida “de valor e qualidade equivalente”, coisa que, afinal, poderá ser aplicada a qualquer outra medida do “pacote de cortes”, segundo esclareceram, recentemente, o FMI e a Comissão Europeia.
É hoje um dado adquirido que as metas do défice para 2014 terão de ser revistas em alta. O próprio primeiro-ministro já não o esconde. A subida dessa meta em 0,5% do PIB corresponderia a cerca de 800M€. Chegaria para permitir o abandono daquela “contribuição para a sustentabilidade” e da componente “retroativa” do processo de convergência entre sistemas, se se considerar o impacto positivo que teria nas receitas do Estado, pelo aumento de impostos, diretos e indiretos, que acarretaria. Para além disto, a vantagem desta correção da política do governo relativa aos aposentados seria a dela ser convergente e coerente com a necessidade indiscutível, sentida por toda a sociedade, de abrandamento da austeridade e de incremento do consumo interno como motor da desejada inflexão do ciclo económico.
A chamada taxa de sustentabilidade, pela sua natureza não tem, em rigor, de fazer parte duma reforma do Estado. Quanto à “convergência dos sistemas de pensões”, segundo a comunicação social, será uma medida considerada pelo FMI como “benchmark estrutural”, mas o que é certo é que essa convergência já está em marcha desde 2005, poderá ser acelerada, mas sempre de uma forma gradual e nunca com quaisquer “efeitos retroativos”, manifestamente inconstitucionais (para além da brutalidade dos seus efeitos nas condições de vida daqueles que se pretende atingir).
MANUEL LUCAS ESTÊVÃO