A NOITE EM QUE NÃO CHOVERAM METEOROS
Aqui há alguns dias, mais precisamente na véspera da sessão promovida por Mário Soares e outros (entre ao quais, Rosário Gama, a título estritamente pessoal, mas que não deixa por isso de ser prestigiante para a APRe!), publiquei um cartaz que publicitava o evento a que acrescentei a seguinte observação: “Eu vou! Não porque espere, mas porque teimo”. No Público de hoje, na sua habitual crónica das segundas-feiras, Rui Tavares utiliza uma analogia que exprime exactamente o meu sentimento sobre a iniciativa:
«Fomos para a Aula Magna, e lotámos a sala, como aqui há uns anos enchemos as praias durante a noite, armados de cobertores, para ver um fenómeno astronómico raro: os três partidos de esquerda juntos no mesmo palco, se não unidos pelo menos reunidos. Se bem se lembram, como nessa ocasião astronómica, o fenómeno foi uma desilusão: o que lá sentimos é que foi importante.»
Exactamente. Eu não fui um desses noctívagos mas já tive ocasião de experimentar o sentimento de fraternidade que se estabelece entre os “lunáticos” que, noite dentro, no cimo de alguma colina, migram do telescópio de um para os de outros, espiando os céus. Assim, julgo perceber como, a pretexto do que nunca chegou a acontecer, deve, mesmo assim, ter ocorrido uma festa e, a coberto da noite, se dissolveram barreiras e se descobriram cumplicidades entre pessoas que, à luz prosaica dos dias, nunca se encontrariam. E também a satisfação que as acompanhou no regresso a casa, confortadas pela sensação de ter valido a pena essa noite. A da passada 5ª feira, eu não quereria tê-la perdido por nada deste mundo.
“O que lá sentimos é que foi importante”. E o que lá sentimos foi uma improvável unidade, pese embora a posição dos estados-maiores partidários que se apressaram a enviar, na qualidade de representantes oficiosos, discretos “desmancha-prazeres”. Em vão! Tentativas fúteis que esbarraram contra um sentimento de triunfo que desafiava qualquer lógica partidária. Triunfo também sobre a direita, que se baba de prazer gozando o espectáculo das nossas questiúnculas, das quais retira a sua vantagem. Saberemos esperar. Teimaremos, uma e outra vez. E, de cada uma delas, sairemos reforçados. Até um dia.
O “governo de esquerda”, que exigimos, não é ainda senão uma “ideia reguladora”, um “focus imaginarius”, que permite aferir de cada uma das iniciativas que vão sendo tomadas e lhes confere sentido e coerência. Mas não se confunde também com a miragem de uma vitória fácil, ao “alcance da mão”, que designo por síndrome do 15 de Setembro quando, apesar da mobilização massiva, não dispúnhamos de um programa, uma estratégia, uma direcção e um movimento estruturado que conferisse substância aos nossos sonhos. De então para cá aprendemos alguma coisa. E mesmo quando não derrubamos governos ou assinamos acordos com vista à sua substituição, sabemos valorizar o facto de nos reunirmos e de nos sentirmos bem.
“Finalmente, o futuro”, é o título da crónica de Rui Tavares, aludindo ao notável discurso de António Nóvoa: “Um futuro que não faz se faz negando os erros do passado e os problemas do presente, mas através do levantamento cívico de todos os cidadãos, com ou sem partido, que se recusem a deixar o seu país morrer na praia”.
Luís Gottschalk