O RELATÓRIO FMI: QUESTÕES DE RIGOR E DE VIÉS
Carlos Sá Furtado
Aqui se analisa o relatório do FMI de título “Rethinking the State – Selected Expenditure Reform Options”, de janeiro de 2013. Este título apenas encontra expressão correspondente na sua segunda parte. Ou seja, em Opções de Reforma de Despesa Selecionada e, mesmo assim, longe de uma forma cabal, pois o que apresenta cinge-se quase exclusivamente a um menu de cortes na despesa de índole social.
Esta análise pretende focar-se não em aspectos ideológicos ou políticos do Relatório, mas antes na sua coerência interna, em aspectos metodológicos, na sua consistência e datação.
Importa, desde já, referir que o Relatório diz que (página 17) o governo vê a necessidade de reduzir a despesa de cerca de € 4 mil milhões por 2014. Os relatores alijam, pois, qualquer responsabilidade na fixação deste valor de € 4 mil milhões; assumem-no sem sobre ele se pronunciarem, como se fosse um objetivo de um caderno de encargos que como fornecedores de um serviço têm de cumprir. Se, por um lado. é certo acautelarem dever a refundação do estado (página 17, nº 22) manter a coesão social e que as medidas a tomar não devem ser utilizadas só pela facilidade de aplicação, não é menos certo que, ao longo do Relatório, as medidas que elencam, individual ou colectivamente, não lhes merecem qualquer juízo de valor que permita aquilatar do seu impacto social. Deixam esta avaliação inteiramente à responsabilidade do governo, sem opinarem sobre as suas consequências sociais. Na nota nº 14, falam de um “benchmarking” que não identificam e muito menos apresentam, limitando-se a afirmar que se tratou de um exercício de análise feito pelo governo.
Interessante é também assinalar que (página 18, nº 23) a questão do valor exato do corte global não lhes interessa. Até que ponto não estará a coesão social em risco acima de dado valor desse corte? Se, como especialistas, não tratam do assunto, como podem, em coerência, invocá-lo, não informando o contratante, o governo português, da gradação dos riscos sociais em função dos cortes elencados? Aconselham, ainda, que o balanço das reformas deve ser mais focado nos ganhos de eficiência, ou seja, na maior garantia de que os cortes, que são diminuições de rendimentos e de direitos das pessoas, representem quantias efetivamente arrecadadas. Aqui também deveriam indicar experiências recolhidas de outros países que são do conhecimento e património de intervenção do FMI.
O exercício de que trata o Relatório tem por campo de intervenção privilegiada os 83% dos funcionários públicos que trabalham nos Ministérios da Saúde, da Educação e relativos à Segurança Nacional (Defesa e Administração Interna).
COERÊNCIA E RIGOR
Não se entende o que consta no ponto nº 27 (página 19) sob o título de “Wages”. Ao referirem-se à suspensão dos subsídios dos 13º e 14º meses dizem que daí resultou em média, uma redução adicional de 12%. Logo abaixo, porém, dizem que a retoma, por deliberação do Tribunal Constitucional, de um destes subsídios significará um incremento da despesa orçamental de 10,4% do PIB. Como é que uma redução de rendimento para os trabalhadores de dois meses significam 12% do PIB e quando o orçamento retoma o pagamento de só um dos subsídios, isso já implica um acréscimo de despesa orçamental de 10.2%?!
Dizem que o salário médio do sector público é maior que o privado, o que não é suportado pelos dados da Pordata. Em 2009, antes pois dos elevados cortes nas remunerações da administração pública, a remuneração média mensal de todos os trabalhadores portugueses foi de € 867,5, enquanto a dos trabalhadores da administração pública se cifrou em € 854,8. Logo, a fazer fé nestes dados, já então a remuneração dos funcionários públicos era menor. Ainda, de notar que Portugal é, num conjunto de dez países, contemplado no estudo do European Central Bank, Working Paper Series, Nº 1406/ December 2011, o país com menos trabalhadores do setor privado com educação superior, apenas 9%, quando por exemplo a Bélgica, com a maior taxa, tem 35%. Esta diferença assinalável não pode ser esquecida ao comparar as remunerações dos setores público e privado.
Merece também alguma interrogação os cálculos efectuados pela OCDE e FMI, que não são identificados, traduzidos na Figura 3.6 onde se lê ser, na função pública em Portugal, o número médio de horas de trabalho é igual a 1545 horas por ano, a que correspondem 44,3 semanas de trabalho, ou seja, uns 10,2 meses de trabalho. Será, por demasiado baixo, este valor credível?
Na página 22, nº 31, diz o Relatório: ” Em 2011, Portugal tinha a mais baixa média de horas de trabalho regular por ano entre os países da OCDE “. Porém, esta afirmação não quadra bem com o que consta em “OECD, Stat Extracts”, onde Portugal consta com 1771 horas anuais por trabalhador e países do Norte como a Áustria regista 1600 horas, a Alemanha 1413, a Dinamarca 1522, o Luxemburgo 1601 e o Reino Unido 1625, todos com menos horas que Portugal.
Analisa-se agora o capítulo das pensões. Começo por assinalar um desvio metodológico: ter sido escolhido o ano limite superior do período analisado, o ano de 2012, para referir o gasto público em pensões, ano este com o maior incremento de dispêndio de caráter social, enquanto para o cálculo de rendimentos já o ano escolhido é o de 2010. O ano de referência ao longo do Relatório deveria, por razões de consistência e de rigor ser sempre o mesmo: ou 2010 ou 2012.
No nº 39, página 34, o Relatório afirma: “Portugal currently spends about 14½ percent of GDP in all of its public pension programs”. Assinala-se ser este valor superior ao constante da Tabela 2.8 do ” 2012 Ageing Report of the European Commission”, igual a 12.5% do PIB.
Anoto ainda que no sítio da Pordata em “Pensões da Segurança Social em % do PIB” regista ser este valor de 5.4% e de 2.7% para o caso da Caixa Geral de Aposentações, em 2000, e de 7.3 % (Regime Geral) e de 4.6 % (Caixa Geral de Aposentações), em 2011. Valores estes muito inferiores aos assinalados no Relatório, de 9% em 2000 e de 14,5% em 2012 (nº 41 do Relatório)
Em 2011, nos valores indicados pela OCDE – “OECD Pensions Indicators” – para taxas globais de substituição das pensões públicas, Portugal tinha na Europa sete países com valores superiores.
Para melhor elucidação se refere que a Tabela 2.8 do “2012 Ageing Report of the European Commission” refere que, em 2010, Portugal tinha um gasto público total com pensões igual a 12,5% do PIB, havendo quatro países com maiores valores. O valor da EU27 foi de 11,3% e o da Zona Euro de 12,2%.
Em Portugal, em 2010, a participação da população trabalhadora entre os 20 e os 64 anos era de 79%, havendo apenas 7 países na EU27 com maior participação (Graph 1.23 do “2012 Ageing Report of the European Commission”).
A taxa de cobertura de pensionistas, definida como a percentagem de pensionistas relativamente ao total da população com 65 anos ou mais era, em 2010, igual a 137.5% (igual à média da EU27), sendo ultrapassado por 17 países (“2012 Ageing Report of the European Commission”)
A Figure 4.4 levanta-me dúvidas no que respeita à concordância das partes direita e esquerda. Com efeito, a “Parte de redução em 2010-2030” (“Share of reduction over 2010-2030”), em ordenadas, é para Portugal igual a um valor de 45 à esquerda, enquanto à direita se situa à roda de 85!
Parece-me, ainda, que do ponto de vista do rigor da apresentação deveriam ser presentes as receitas da Segurança Social em 2000 e 2012. Do sítio da Pordata retira-se que em 2000 e 2011 os saldos da Segurança Social foram de 0,2% e de 1,2% do PIB, ou seja, € 254 633 e € 2 052 478.
Quando o nº 42 afirma que os gastos com pensões só estabilizarão depois de 2020 e a níveis relativamente elevados, tal contradiz a nota nº 38 que diz, de acordo com o “2012 Ageing Report of the European Commission”, Portugal tem um dos mais baixos projectados aumentos da despesa pública das pensões.
Quanto ao nº 43, recorrem à taxa económica de substituição, que é o quociente entre a pensão de um pensionista de mais de 65 anos e o PIB por trabalhador. Aponto de novo o facto de que para Portugal o ano de referência é 2012 e para todos os outros países considerados é o de 2010. Metodologicamente não é correto, tanto mais que em muitas outras comparações (vd. por exemplo o número de professores) se utiliza para Portugal o ano de 2010. Ainda, em relação a este índice, apresentam a Figura 4.2 em que baseiam as suas comparações. A reta de regressão, que melhor satisfaz os pontos relativos aos países considerados, é pouco convincente quanto à sua adequação. É tal a dispersão destes pontos que dificilmente se vislumbra qualquer lei ou regra de representação.
O que vem a seguir prende-se tão somente com razões de coerência interna, de averiguar a congruência de elementos usados no Relatório. No nº 47, afirma-se que a pensão anual média da CGA é de € 16 052 e a da Segurança Social de € 5 515 e que os reformados e aposentados da Função Pública são 15% do total e os pensionistas da Segurança Social 85%. A ser assim os quantitativos totais das pensões dos dois sistemas estão na proporção de 15% x 16 052 para a CGA e de 85% x 5 515 para a Segurança Social, ou seja na proporção de 33,9% para 66,1% do gasto nacional anual com pensões. Admitindo que a mesma distribuição de 15% e de 85% de pensionistas da CGA e da Segurança Social existia com as atuais remunerações médias mensais de € 1800 e € 700, ter-se-ão contribuições globais para a CGA e para a Segurança Social na proporção de 15% x 1800 para 85% x 700, ou seja, de 31,2% para 68,7%. Vê-se que há adequação, equidade, entre os dois sistemas de pensões, pois que as proporções entre as contribuições e os recebimentos são aproximadamente iguais. Acresce, e só para as contas se diz, que nas pensões da Segurança Social há muitas que são de regime não-contributivo.
Acrescento, ainda, que nos dados da Pordata, para o ano de 2009 a remuneração média de todos os trabalhadores foi de € 867,5 e para os da administração pública € 854,8, logo inferiores.
É uma deficiência o facto de no nº 66 não indicar, para os anos mais próximos de 2011, porventura até 2016 ou 2017, o aumento dos alunos no secundário em virtude do alargamento da escolaridade obrigatória. É óbvio que este súbito aumento do número de alunos já não vai ter incidência diferencial durante a década 2020-2030.
Há falha de coerência de discurso quando o Relatório diz no nº 67 que o governo fechou com sucesso, desde 2010, 536 escolas rurais e, depois, no nº69 afirma que não há mecanismo para deslocar professores contratados de escolas com pessoal docente excedentário.
No nº 82 do Relatório consta: “a despesa pública com a saúde estava projectada aumentar entre 2,5% e 4,6% do PIB, de 2010 a 2030, significantemente acima da média para economias avançadas”. Esta afirmação é contradita pelo “The EC 2012 Ageing Report” da responsabilidade da Comissão Europeia que prevê no Graph 3.12 todos os cenários estudados, poder o aumento dessa despesa variar entre 0,5% e 2,3%. O máximo avaliado no cenário mais pessimista, igual a 2,3%, só é melhor na EU27 para os casos da Itália (1.8%), Grécia (1.9%) e Bélgica (2.1%).
EQUIDADE
Nesta secção, irei abordar a questão da equidade, procurando dilucidar o modo como a palavra “equity” é utilizada ao longo do Relatório.
Qual o entendimento a ter de equidade? No “The Oxford Universal Dictionary” encontrei três significados aplicáveis: a) A qualidade do que é igual é igual ou justo; b) O que é correto e justo; c) Jurisp.- O recurso a princípios gerais de justiça para corrigir ou complementar a lei ordinária. Assim me parece que o melhor entendimento para equidade será a qualidade do que é justo, correto, equilibrado, leal. É neste sentido que se avalia o que no Relatório se chama de equidade e não no equivocado e estranho de uma aparente equação de equidade igual a igualdade.
Na página 7, diz-se que “Also, the system is inequitable …” E por quê? Porque um aposentado da CGA recebe em média perto de três vezes mais que um pensionista do regime contributivo geral da Segurança Social e que trabalham menos antes da reforma. Para avaliar a equidade de tratamento vejamos, com base em dados da Pordata, o que ocorreu em 2011 no respeitante a contribuições. A quotização média dos utentes da C.G.A. foi, em dados diretos da Pordata, igual a € 2922. A contribuição média dos utentes da Segurança Social não vem directamente nos dados da Pordata, sendo pelos meus cálculos, a seguir desenvolvidos, igual a € 424. Este valor, respeitante a 2011, foi obtido do modo seguidamente indicado. O valor total das contribuições foi de 13 746 milhões de euros, dos quais 68,1% são das entidades empregadoras e 31,9% dos trabalhadores. Daqui resulta que a contribuição dos 4 396 307 beneficiários ativos foi de 4 385 milhões de euros, a que corresponde uma contribuição média per capita de € 997. Tendo sido a despesa total da Segurança Social igual a 17,2% do PIB e a relativa a pensões 7,3%, poder-se-á dizer que a contribuição afeta a pensões será de (7,3%/17,2%) x 997, igual ao valor acima referido de € 423. Este valor, apesar de ser aproximado e poder merecer algum reparo, permite calcular, de forma aproximada, a relação entre as contribuições médias dos utentes da CGA e da Segurança Social, que em 2011 foi de 6,9 (= € 2922/€423). Porventura, este número poderá pecar por excesso, mas mesmo assim é bem superior à relação de 3 para 1 dos valores médios das pensões da CGA e do RGSS (Regime Geral da Segurança Social).
Haverá assim lugar nesta comparação a invocar a falta de equidade tal como o faz o Relatório? Devo acrescentar que a apresentação destes números tem apenas o propósito de, neste contexto, denunciar o uso abusivo e pouco esclarecido da palavra equidade. Para esclarecer o caminho de um sistema único de previdência em Portugal, o Relatório devia sim ter comparado, nos atuais regimes da CGA e do RGSS, as pensões auferidas de pensionistas com idênticas carreiras contributivas. Achar valores médios de distribuições de natureza muito diferente revela ligeireza na aplicação da Estatística! Ora, este é bem o caso, bastando para o evidenciar a referência do Relatório a haver para as pensões de carácter social no RGSS um contributo dominante de pensões de valor bem reduzido – no nº 48, dizem que 90% dos pensionistas recebem o mínimo. No respeitante ao número de anos de trabalho antes da reforma, se este número se identifica com o tempo médio relevante da carreira contributiva para o cálculo da pensão, temos que para os reformados da CGA esse tempo médio foi de 29,8 anos (Relatório e Contas de 2011) e para os do RGSS de 25,6 anos (Diário Económico, 06/11/2012). Portanto, mais 4,2 anos para a CGA do que para o RGSS. Também aqui o Relatório não acerta ao invocar a equidade.
No nº 36, recomendam, a título de exemplo, uma redução de 3 – 7 % no salário base, particularmente nos níveis de vencimentos mais reduzidos, a fim de reduzir, conforme afirmam, o maior salário do setor público relativamente ao privado. Aqui, o espírito da tal equidade desapareceu: pretende-se baixar quem já ganha menos, o que só se entende no propósito de cortar a despesa pública seja como for.
No nº 39, o Relatório invoca de novo a razão da equidade a respeito dos programas públicos de pensões, referindo haver um gasto excessivo com pensões que poderia ser encaminhado para mitigar a pobreza entre os mais velhos. A este propósito será bom recordar: i) os programas públicos de pensões do regime contributivo resultam de contribuições de trabalhadores e empregadores; ii) o gasto com estes programas resulta de cálculos atuários estabelecido pelas entidades gestoras que, ao longo dos tempos, foram certamente competentes para bem calibrar esses gastos. Ainda, e que me parece importante, qualquer fragilização e desvios dos compromissos assumidos é um abrir de portas à privatização dos fundos de pensões.
No nº 44, diz o Relatório que o sistema público de pensões não protege adequadamente contra a pobreza na velhice e que continua iníquo. Após registar que o quintil de topo dos pensionistas por velhice recebe 40% destas pensões, sugere que os benefícios sejam reavaliados. Os relatores deveriam ter analisado a ligação entre as pensões recebidas e as correspondentes carreiras contributivas. Poder-se-á pensar que as observações do Relatório pretendem advogar de duas uma: ou que o sistema público de pensões descole da carreira contributiva, o que o irá enfraquecer, ou, então, que a contribuição social advinda dos impostos deverá aumentar. Teria sido conveniente que o Relatório tratasse da separação entre a parte contributiva e a não-contributiva (ou social) e então preconizasse o que deveria ser feito. Outra vertente a esclarecer respeitaria à verificação desta equidade abaixo dos 65 anos.
No nº 47 (página 38), refere o Relatório não promover o sistema de pensões a participação formal da força de trabalho. Como formas de incentivar essa participação inclui sugestões que visam a cortar o valor da pensão a quem tenha, por exemplo, uma pensão igual a 45% do salário mínimo! Aqui, já equidade abandonou os relatores. A propósito, não se entende como numa situação de altíssimo desemprego, de falta de ofertas de trabalho se convoquem medidas avulsas e desgarradas para aumentar a força laboral.
No nº 48, dizem que na Segurança Social 90% dos pensionistas recebem o mínimo, o que significa ser assistência social. Dizem mais, embora erradamente, que a média das pensões da CGA é aproximadamente igual à média dos vencimentos. Apesar de relatarem que as bases dos dois sistemas são bem diferentes, esquecem ao longo do documento essas diferenças essenciais e discreteiam reiteradamente numa enviesada noção de equidade.
No nº 50, quando avançam com a proposta de um corte de 10% transversal a todas as pensões, apontam como indesejável o facto de falhar a equidade. Aqui, novamente, surge a sugestão disfarçada de nivelar dentro do universo dos pensionistas. Neste entendimento não levantaria problemas de iniquidade, se esta mesma orientação fosse estendida a toda a população englobando trabalhadores no ativo e pensionistas. Ou seja, diminuindo as grandes diferenças de rendimentos existentes na sociedade portuguesa, caminhando para uma sociedade mais igualitária.
Nesta linha de pensamento, poderiam sugerir uma atuação no IRS para os escalões superiores dos rendimentos. Há, pois, a meu ver, um entendimento errado sobre a origem das pensões da carreira contributiva. Os dinheiros descontados ao longo da vida ativa dos trabalhadores não são do governo; são postos à guarda do Estado sob a sua gestão, para que, mais tarde, obedecendo a critérios equitativos, serem retornados a esses cidadãos já aposentados. Esses descontos, acumulados, são propriedade dos beneficiários e são seguramente tão sagrados, senão mais, do que, por exemplo, os bens herdados.
No nº 51, aparece de novo uma sugestão que parece esquecer a equidade: quando alvitra que a pensão mínima e outros benefícios não-contributivos para idosos deverem ser alinhados com a esperança de vida. Por que há que reduzir estes benefícios, quando se trata de valores baixos, de carácter social, que o Estado deveria acautelar no sentido de uma maior equidade distributiva?
No nº 55, no título, dizem os relatores que o gasto social não considerado em pensões não é particularmente alto comparado com os parceiros da União Europeia, muito embora no seguimento afirmem que é bem menor. Aqui poderiam invocar a equidade para recomendar a melhoria da situação. Parece, uma vez mais, que o objectivo do exercício se resumia a cortar.
ASSUNTOS VÁRIOS
Assunto que deve merecer atenção prende-se com a classificação, a categorização das pensões. Qual a sua natureza? Dizer, como o faz o Relatório, que as pensões são uma despesa governamental não me parece certo. Julgo ser incorreto, significando uma entorse à sua natureza, sua génese e finalidades. O sistema de pensões, contributivo, solidário ou misto está iniludivelmente baseado nas contribuições dos trabalhadores e das entidades empregadoras. Prova clara que assim é real e praticamente entendido está nos acordos que vários governos têm realizado com fundos privados de pensões para a sua transferência para o domínio público, indo buscar o valor depositado nesses fundos por trabalhadores e respectivas empresas contra a obrigação futura de pagar as correspondentes pensões. Estas transferências só se entendem no pressuposto que os governos e a sociedade consideram que os fundos e suas obrigações são dos reformados e dos ainda trabalhadores.
Sendo assim, como podem os governos tocar no dinheiro dos pensionistas como de seu se tratasse?
Interessa, todavia, analisar se os governos têm tido necessidade de ir aos impostos para ajudar a pagar as pensões e outros benefícios sociais. Ora, acontece relativamente à Segurança Social e de acordo com os dados da Pordata que os saldos anuais, diferenças entre receitas e despesas, têm sido, para os últimos dez anos listados, positivos. Esses saldos são, de 2002 a 2011, em milhões de euros, os seguintes:
1477, 1511, 1397, 1649, 1998, 2490, 2452, 2488, 2515 e 2104.
O total destes saldos de dez anos foi de 20 081 milhões de euros. Portanto, como se poderá dizer que as pensões do RGSS foram e são uma sobrecarga para a Segurança Social? Será que não têm antes vindo a servir para financiar o défice das contas públicas?
Como, baseando-nos neste histórico, se poderá seriamente dizer que a Segurança Social está em perigo? O que se pode afirmar, isso sim, é que a arrecadação de prestações e os benefícios prestados ao longo da sua história tem sido prudente e capaz de garantir a sua solidez. Mais: há pensões muito justa e solidariamente atribuídas aos cidadãos em dificuldade económica, que constituem um encargo e um dever de toda a Nação e que, consequentemente, deveriam ser suportadas pelos impostos. Até que ponto é legítimo, é equitativo, ir buscar aos fundos de pensões, com contribuições dos trabalhadores, o pagamento dessas pensões de carácter eminentemente social?
E, no respeitante às pensões da CGA, qual é a situação? Para a análise, consideremos o último ano de que há dados da Pordata, ou seja, o de 2011. A receita das quotizações foi de € 3 363 352,5 e as transferências do Estado iguais a € 4 202 226,9 para satisfazer a despesa com pensões igual a € 7 891 848,2. Se, a exemplo das empresas, o Estado descontasse na proporção de 23,5% para 11% dos trabalhadores, então a sua transferência para a CGA deveria ter sido € 7 185 343,9 (=3 363 352,5 x 23,5%/11%). Neste pressuposto o superavit da CGA teria sido € 2 656 848,2 (=3 363 352,5 + 7 185 343,9 – 7 891 848,2). Somado este superavit ao da Segurança Social igual a € 2 052 478, ter-se-ia, no ano de 2011, um superavit total de € 4 709 326,2. Se isto é assim, ou aproximadamente assim, como pode o Relatório afirmar que o “Estado gastou 58% da despesa pública sem juros” em pensões? Esta afirmação parece contradizer frontalmente a realidade dos factos. Aconteceu, a meu ver, precisamente o contrário: o O.E. foi financiar-se, como vem acontecendo nos últimos anos, à Previdência Social dos trabalhadores portugueses, privados ou públicos, reformados ou no ativo. Se isto vem sendo assim, duas questões formulo: i) como pode o Relatório afirmar, na página 7, “This is unaffordable”, havendo este histórico recente? ; ii) onde está o dinheiro que pertence à Previdência?
Um ponto, que levanta questões de rigor, de fidelidade, prende-se com a citação de um artigo de Bergh e Henreksen, [ página 10 e nota nº 2] que, ao contrário do afirmado no Relatório, está longe de concluir de forma categórica sobre a correlação entre o tamanho do Estado e o crescimento económico.
Há questões de forma, de discurso, que merecem reparo, por não serem inocentes. São de viés, enviesadas. Como exemplo, na página 24: “Conceptually, there is no reason for government employees to have a shorter work week”, a que é que vem o “Conceptually”?
Não deixa de ser curioso e estranho incluir o Relatório muitas e muitas vezes apelos à equidade, seja o que for que por isso entendam, e à manutenção da coesão social, quando raramente se vê concretização desses apelos. Assim, a título de exemplo, no nº 23 (página 18), dizem muito ligeiramente “While leaving aside the question of the exact magnitude of expenditure savings that the government should target, …” Quer dizer não fazem sequer a tentativa de averiguar qual o impacto social dos vários cortes de despesa, a grande maioria nos setores sociais! Quem mostra tal ausência de preocupação pelas consequências das suas sugestões de diminuição de despesa com impacto negativo, tantas vezes dramático, na vida de milhares de pessoas, deveria, se coerência houvesse, tratar de avaliar as presumíveis carências e sofrimentos causados.
No que respeita a despesa com vencimentos, se o nº 28 (página 20) e a Figure 3.3 se reportam a funcionários públicos, pelas minhas contas ter-se-á:
Despesa com Pessoal (Administração Pública) € 11,383 milhares de milhões
Postos de trabalho (Administração Central + Administrações Regional e Local estimadas) 516 238 + 140 000 ~ 660 000
PIB per capita € 15 365,9
Daqui se conclui que a Compensação por Funcionário dividida por PIB per capita será igual a 1,14 ((11,383 milhares de milhões/660 000)/15 365,9), bem inferior à média da Zona Euro e também muito menor que o valor indicado na Figure 3.3. Donde vem a diferença?
Uma outra fonte de dados relativa à compensação dos funcionários públicos é o documento da Comissão Europeia “Statistical Annex of European Economy – Spring 2012”, onde para os anos de 2010, 2011 e 2012 regista para despesa com funcionários públicos os valores de 12,2%, 11,3% e 10,0% do PIB. Os correspondentes valores do PIB são para os mesmos anos 172,7, 171,0 e 166,5 milhares de milhões de euros. Considerando a população igual a 10 600 000 e o número de funcionários públicos de 660 000, resultará para a compensação dos funcionários públicos dividida por PIB per capita um valor de 1,96, 1,87 e 1,57 para os anos de 2010, 2011 e 2012, respetivamente. De novo, confirmam estes valores a que se chega por estes cálculos serem bastante inferiores ao valor constante no Relatório. Não é assim Portugal um “gastador acima da média”, como o nº 28 do Relatório afirma.
O nº 33 do Relatório (página 22) diz “Most of this disparity is explained by the relatively high pay provided to workers with lower qualifications”. Esta afirmação está longe de ser suportada pelos dados da Pordata relativos ao último ano reportado, o de 2009. Das doze actividades económicas consideradas, os trabalhadores da função pública ganham, na categoria de profissionais semi-qualificados menos que em dez das outras actividades (só ganham mais em uma atividade), na categoria de profissionais não-qualificados menos que em nove das outras (só mais que em duas actividades) e na categoria de praticantes e aprendizes menos que em todas as outras actividades.
Daqui resulta que, face a estes dados, o afirmado no nº 34 (página 23) não tem razão de ser. Também, pelas mesmas razões, a Figure 3.9, “Ratio of Public to Private Compensation of Employee”, não é suportada pelos dados da Pordata.
A argumentação do Relatório sobre a temática das pensões levanta sérias dúvidas e questões. Por exemplo, no nº 42 (página 35) dizem: “However, the reforms have also included extensive grendfathering rules, which protect current retirees while placing the adjustement burden on their children and grandchildren. This has backloaded potential fiscal saving: the reforms are projected to stabilize spending only after 2020 and at relatively high levels”. Começo por notar que o próprio Relatório diz na nota nº 38 que Portugal tem um dos mais baixos projetados aumentos em pensões públicas no período 2010-2060. Vê-se no documento da Comissão Europeia “2012 Ageing Report” que Portugal é o segundo, quando muito o terceiro, país da Europa cujo crescimento em pensões é menor, mesmo muito menor. Além disso o histórico da Segurança Social constitui uma garantia de não existir rutura à vista do sistema de previdência social. Até porque a gestão recente dos fundos de pensões mostra prudente competência.
R.G.S.S.
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C.G.A.
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Ano
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Receitas
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Despesa
% PIB
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PIB
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Despesa
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Saldo
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Receita
Quotizações
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Receita do Estado
|
Despesa
|
2000
|
12569
|
9,7
|
127316
|
12349
|
+219
|
1412
|
2019
|
3449
|
2001
|
13686
|
10,3
|
134471
|
13850
|
-164
|
1589
|
2003
|
3732
|
2002
|
19329
|
12,7
|
140566
|
17851
|
+1477
|
1733
|
2355
|
4114
|
2003
|
18585
|
11,9
|
143471
|
17073
|
+1511
|
1855
|
2542
|
4669
|
2004
|
20211
|
12,6
|
149312
|
18813
|
+1397
|
1918
|
3106
|
5102
|
2005
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21550
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12,9
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154268
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19900
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+1649
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2025
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3218
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5506
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2006
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22749
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12,9
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160855
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20750
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+1998
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2090
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3040
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5884
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2007
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23994
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12,7
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169319
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21503
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+2490
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2290
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3291
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6341
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2008
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29282
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15,6
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171983
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26829
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+2452
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2298
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3396
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6705
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2009
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32145
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17,6
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168503
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29656
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+2488
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2853
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3473
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7171
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2010
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33626
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18,0
|
172834
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31110
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+2515
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3453
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3749
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7489
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2011
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31523
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17,2
|
171039
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29418
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+2104
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3363
|
4202
|
7891
|
Por aqui se vê que os saldos da Segurança Social desde o ano 2000 até 2011, com exceção de 2001, foram sempre positivos, rondando o seu valor anual entre 2000 e 2500 milhões de euros. Admitindo que para a CGA, a exemplo do RGSS, o Estado como entidade patronal descontava relativamente aos funcionários na proporção de 23,5%/11%, ter-se-ia um saldo anual para um virtual fundo de pensões que em média rondaria os 1000 milhões de euros. Dizer que a previdência social portuguesa está em perigo parece despropositado, alarmista e sem fundamento.
Em termos de rigor, estranham-se dois aspectos quanto à Figure 4.2: i) A razão por que Portugal é representado para 2012 e não para 2010, como para todos os outros, tanto mais que os dados estavam disponíveis; ii) Admitir a reta de regressão (ajustamento dos pontos) é ver uma correlação, uma regra, dificilmente identificável.
Do nº 43 ao nº 48, incluídos na secção “Key Issues”, pretendem mostrar que o sistema de pensões em Porugal é desajustado e iníquo e que tem de mudar: Mudar para reduzir o quantitativo das pensões.
Quando falam na taxa económica de substituição e se apoiam na Figure 4.2, já mencionei não ser esta figura grande suporte de apoio, de justificação. Repete no nº 44, sem cabalmente o mostrar, que Portugal tem um dos maiores coeficientes de gasto em pensões para chamar a atenção para uma má distribuição dos gastos do sistema de pensões. Esquece o Relatório de aqui referir a questão, importante, do substancial número de pensões com carácter social sem serem consequência de um regime contributivo. Criticam mesmo (nº 45) a eligibilidade do benefício ter lugar em 80% nas próximas duas décadas; pretendiam que fosse mais lenta. Por quê e para quê? A ameaça de que os trabalhadores pagam mais e receberão menos é feita sem qualquer justificação. Mesmo medidas já tomadas para aumentar a segurança do sistema de pensões que vão aliás no sentido que o Relatório aparentemente preconiza, são criticadas. É que quaisquer medidas que o Relatório preconiza não são para tornar mais forte o sistema de pensões mas sim para diminuir o alcance e intensidade do sistema público de pensões. É, por exemplo, o caso da frase “The reforms have put most of the burden of the adjustement on future generation of retirees”.
Enfim, a terminar os meus comentários direi que não iria mal ao Relatório ter-se ao menos preocupado com a sanidade das finanças do sistema de previdência português, para através da sua evolução histórica retirar, se fosse caso disso, que há ameaças a curto prazo para a sua sustentabilidade. Todavia, a evidência existente é, como atrás foi dito, precisamente a contrária: a da existência anual de um superavit.
O Relatório diz que o problema da Segurança Social é de curto prazo de 2010-2020, já que no mais longo prazo está bem. Se isso é assim, haverá que mostrar quais as medidas a adotar, transitórias, para superar o intervalo temporal que vai de 2013 a 2020, já que em 2010, 2011 e 2012 não existiram problemas localizados.
A afirmação do nº 48 (página 39) “…- average public pensions are nearly 100 percent of average public wages, reflecting mostly benefits granted under the old system –”. Vou apreciar até que ponto isto é assim. Com base em dados da Pordata, temos que a pensão média da CGA é de € 13 334, valor que resulta da divisão da despesa da CGA, em 2011, igual a 7891 milhões de euros pelo número de reformados, aposentados e pensionistas, igual a 591 777. Por sua vez, o vencimento médio é igual a € 19 938, pois que a despesa da Administração Central é igual a 10 293 milhões de euros para um número de funcionários de 516 238. Daqui decorre que a pensão média é igual a 70,8% do vencimento médio abaixo dos 100% referidos no Relatório.
Há uma preocupação extrema de ir buscar dinheiro recorrendo a todo e qualquer argumento que sirva o propósito. Assim, no nº 51, o FMI preconiza “The age at which the minimum pension and other non-contributory old-age benefits are triggered should rise in line with increases in life expectancy”. Nesta recomendação o conceito de equidade, que é usado em tanta ocasião, não vem a terreiro. Aqui sublinha-se, por não deixar de ser curioso, já o Relatório invocar o facto da maioria dos pensionistas da Segurança Social receber a pensão mínima, que aquando da comparação com a CGA não tomam em conta.
É seguramente por desconhecimento dos muito maiores descontos recentemente ocorridos nas pensões em Portugal que o Relatório refere, no nº 52, a título de exemplo a seguir, os descontos de 3% em 2010 e de 4,6% em 2011 havidos na Suécia.
No nº 57, defendem que: “Overall social protection spending (including pensions) is disproportionately directed at the better off and elderly”. De novo a pergunta de saber se uma pensão baseada numa carreira contributive pode ser considerada de natureza social. Defenderão, ao que parece, que não deverá haver uma relação entre a pensão e a carreira contributiva? Se sim, tal não constituiria uma machadada no sistema público de pensões? Será isso que pretendem?
Não deixa de ter interesse mostrar o caminho do pensamento, o fundamento do raciocinar dos relatores, que parece claro nesta passagem. Neste trecho, começam assim: “Long-term unemployment is significantly above the EU average, particularly among older workers”. E terminam: “Therefore, the framework for unemployment benefits could be further examined to ensure that it encourages beneficiaries to take jobs once labor market conditions ease”. São bem claras nesta passagem as preocupações que presidem à elaboração deste Relatório.
Na mesma linha, se aponta o nº 59, que diz: “However, international evidence suggests that job search initiatives are more effective than training measures”. O que interessa é que os desempregados procurem emprego, recomendam os relatores, no que evidenciam uma grande insensibilidade ou um enorme desconhecimento da infeliz situação do País.
Outra manifestação desta mesma insensibilidade, desta indiferença, justificada por apelos informados mas deslocados, encontra-se no nº 60: “However, the government currently has no plans to change the eligibility criteria, also given low birth rates and poverty reduction goals. Nevertheless, while the program does increase the incomes of qualifying families international evidence is rather discouraging on the role of cash benefits in improving fertility”. Aqui, para que o apoio a famílias carenciadas seja diminuído, invocam o conhecimento, não referenciado, de estudos que sugerem não valer a pena apoios pecuniários para aumentar a taxa de fertilidade. Mas não apontam outras medidas substitutas com melhor efeito.
O nº 61 revela a mesma atitude de cortar todo e qualquer apoio social: “Even though the program [RSI] seems well targeted, it may contribute to welfare dependency and be subject to abuse”. Logo, o que preconizam é acabar com o Rendimento Social de Inserção por fomentar a preguiça e a fraude! E, argumentos não lhes faltam para acabar com os benefícios sociais: “In Portugal, the poorest 20 per cent rely much more on social exclusion benefits than is the case in the EU”. Em vários lugares do Relatório, o facto dos 20% mais pobres de Portugal terem rendimentos muito inferiores ao que acontece na Europa serve, invocando a sua equidade, apenas para cortar os rendimentos de quem está nos quintis mais elevados: Mas sem que isso se reflicta nesses 20% mais pobres.
No nº 66 (páginas 58 e 59), explicitam tendências, todas decrescentes, relativamente às frequências dos ensinos básico e secundário. É de sublinhar o facto de nada dizerem quanto ao aumento de frequência no ensino secundário, pela sua obrigatoriedade, na década de 2010-2020, quando, para as pensões, fizeram esta análise temporal mais fina. O fazer esta e esquecer aquela traduzem-se no mesmo intuito: cortar.