Expresso – Hoje

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Perfil

Rosário Gama, 64 anos, foi durante muito tempo o rosto do sucesso escolar, enquanto diretora da Secundária Infanta Dona Maria, em Coimbra, a escola pública que mais vezes figura no topo dos rankings. Em 2011, ao fim de 38 anos de trabalho, pediu a reforma antecipada. “Adorava o que fazia, mas com as alterações que estavam em cima da mesa corria o risco de acabar a carreira e receber menos do que receberia com as penalização”. Hoje conta com uma reforma inferior a €2000 líquidos. É militante do PS, mas garante que não quer envolver-se ativamente na política. 
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Tudo começou em outubro, quando um pequeno grupo de reformados, indignado com o Governo, decidiu criar uma associação. Anunciaram na net uma primeira reunião, em Coimbra, e marcaram sala para 150 pessoas. Apareceram 500. Hoje, a APRe! tem núcleos em todo o país e conta com mais de três mil associados. A direção é eleita este mês. Rosário Gama, ex-diretora da escola pública com melhores resultados nos rankings, é o rosto da associação.
Chamaram APRe! ao vosso movimento. Os reformados estão mesmo irritados? A designação tem precisamente esse sentido. Queremos mostrar indignação perante o ataque do Governo a este grupo social. Achámos que essa expressão, que ainda por cima coincide com a sigla das palavras Aposentados, Pensionistas e Reformados, era ideal para transmitir o que sentimos. Apre! Basta!
Que ataque é esse? Fomos o grupo escolhido para o massacre fiscal. Vamos ser altamente penalizados, não só com os novos escalões de IRS, que afetam as pensões a partir de 500 e poucos euros, mas também com a sobretaxa de 3,5% e com a contribuição extraordinária de solidariedade, que é exclusiva para os aposentados. É uma violência.
Os reformados não devem participar no esforço pedido a todos os portugueses? Devem. Mas não podem ser saqueados.

O Governo afirma que há muitos reformados que não descontaram para a reforma que estão a receber. É verdade. Mas são os políticos. Muitos fizeram carreiras pequeníssimas na Assembleia da República e nas autarquias e de facto não descontaram o suficiente para o que recebem. Mas a esmagadora maioria dos reformados teve carreiras longas. E 90% das reformas são inferiores a 500 euros. Por isso, o primeiro-ministro não conhece a realidade ou está a deitar poeira para os olhos dos portugueses.

Os reformados não se sentiam bem representados? Achámos que não havia nenhuma associação que o fizesse devidamente. Os sindicatos voltam-se sobretudo para a defesa dos direitos das pessoas no ativo. Há 2,7 milhões de reformados. Precisam de uma voz ativa. O movimento integra gente de todas as tendências e de todas as profissões. Surgimos há pouco tempo e já temos mais de três mil associados. Em média, inscrevem-se 20 pessoas por dia.
Diz que cortar nas pensões afeta todas as gerações. Como? Quando se fala em reformados, as pessoas imaginam gente de 80 e tal anos. Mas há muitos a partir dos 58, 59 anos. Ainda são bastante novos, têm casas para pagar e vários compromissos que assumiram em função do que sempre lhes foi dito que iam receber quando se reformassem. Somos uma geração ensanduichada. Por um lado temos os filhos, já com as suas famílias constituídas e a precisarem da nossa ajuda e, por outro, ainda temos pais a cargo, a quem damos apoio. O corte das reformas vem travar muito o apoio dado aos filhos e aos netos.
Não podem fazer greve. Como pretendem fazer-se ouvir? Somos uma associação de pressão. Fomos recebidos por todos os grupos parlamentares à exceção do PSD, que não quis. Entregámos uma petição com 13500 assinaturas que em breve será discutida no plenário. E vamos agir junto dos tribunais. Queremos ser ouvidos enquanto parceiros sociais.
Acha que movimentos cívicos como este vão ganhar força? Não tenho dúvida. E penso que a Constituição devia permitir que pudessem concorrer à Assembleia da República. Estou muito preocupada com o desânimo dos portugueses relativamente aos políticos. A culpa é deles, porque não param de surgir novos chicos-espertos nos governos e nos partidos. O Estado trata as pessoas como utentes, não como cidadãos.