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Há dois grandes fatores que estão a destruir as democracias ocidentais: o desinteresse das pessoas e o descrédito na classe política. É uma espécie de pescadinha de rabo na boca, bem sei. Quanto maior é o descrédito na classe política, maior é o desinteresse das pessoas. Mas o problema não é assim tão simples. Ao mesmo tempo que as pessoas se refugiam na cobardia das redes sociais para se sentirem mais cívicas e participativas, os políticos andam à procura de novas formas de chegar às pessoas. Uma delas são precisamente as redes sociais, que permitem fazer uma espécie de sondagem, verificar tendências e agir em conformidade. A política deixou de tratar apenas dos problemas que precisam de ser tratados e passou a tratar dos temas virais. Se é viral, é importante. Melhor ecossistema para o populismo é impossível.
Ser político há muito que deixou de ser currículo e passou a ser cadastro. A lista de clichés é interminável, mas recorrendo a Aristóteles e às suas argumentações lógicas perfeitas podemos resumi-los ao seguinte silogismo: todo o político faz parte do sistema; este senhor é político; este senhor faz parte do sistema. Mas o que é o sistema?
O sistema é assim uma espécie de saco onde os cidadãos decidiram meter tudo o que de mau a política tem. Decisões erradas, mentira, corrupção, crises – o sistema é tudo isto e muito mais que se queira lá meter. O raciocínio, por simplista que seja, é fácil de explicar. As pessoas estão fartas de ser enganadas, cansadas de ler notícias sobre corrupção na política e há muito que deixaram de acreditar nas promessas que lhes fazem porque essas promessas são consecutivamente incumpridas. E também aqui as redes sociais vieram dar um contributo assustador para a desinformação. Nada é verificado. Tudo é partilhado sem critério. Comenta-se tudo. Tem-se opinião sobre tudo. Só não se tem o cuidado de saber do que se está a falar.
Não estou com isto a desculpar ninguém. A classe política é vítima dela própria e deixou-se arrastar para um buraco de onde dificilmente vai conseguir sair. Já não é só a mentira, as promessas por cumprir ou os casos de corrupção. São decisões erradas e erróneas ou a falta de decisões, é a total ausência de estratégia que leva todos os dias a política ao descrédito. É um discurso formatado e tantas vezes incoerente que já ninguém ouve.
Tudo isto deixou escancaradas as portas para os outsiders, os chamados candidatos fora do sistema. Para ter sucesso, basta seguir o manual à risca. Assumir-se como não político. Ter um percurso profissional de sucesso e demonstrar à evidência que os políticos não trabalham, são apenas políticos. Perceber anseios e angústias da população e formatar um discurso à medida. Dizê-lo em 128 caracteres, se possível. Não basta dizer o que as pessoas querem ouvir, é preciso pegar no desespero delas e trabalhá-lo politicamente. Torná-lo viral. Se as pessoas querem soluções mágicas para os problemas, então prometemos fazer magia.
Nós teremos sempre a democracia que quisermos ter. Se quisermos resumir a nossa participação cívica a um like, um comentário ou um emoji em vez de perceber a causa das coisas, de participarmos civicamente na sociedade, de votarmos, teremos uma democracia mais pobre. E uma classe política cada vez mais medíocre, por falta de escrutínio. É normalmente assim que surgem “salvadores”, aqueles que acabam por virar ditadores.
Anselmo Crespo