No centro da capital grega há uma fila bem mais comprida do que a de qualquer multibanco. É lá que todos os dias mais de 400 pessoas esperam por comida.
No início da fila, não há qualquer caixa multibanco. O objetivo não é levantar dinheiro. As pessoas que aguardam na bicha, de olhos pregados no chão, não têm nenhum. O que elas têm é fome.
Ajudado por três jovens, um padre ortodoxo, vestido com uma batina preta até aos pés, apressa-se a dar a cada uma um saco de plástico com um pão e uma sopa embalada. O processo é muito rápido. Não há tempo para grandes conversas. Passa do meio-dia e a grande maioria dos que esperam não come nada desde as cinco da tarde do dia anterior, a hora a que lhes foi distribuído um lanche – a última das duas únicas, e pequenas, refeições do dia.
Só aqui, nesta “sopa dos pobres” gerida pela Igreja com o apoio da Câmara Municipal de Atenas, mais de 400 pessoas vão buscar comida diariamente. Mas, espalhados pela cidade, há vários outros pontos de distribuição de alimentos e algumas cantinas sociais, entre as quais uma criada pelo Syriza. A maioria abriu nos últimos anos, com a chegada da crise e o aumento repentino da miséria e da fome.
O PIB da Grécia recuou 25% só desde 2010. Cinco anos após o pedido de assistência financeira, e outros tantos pacotes de austeridade depois, há agora 30% de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza e 17% da população a depender da ajuda alimentar.
Segundo um estudo da Universidade de Creta publicado no início do ano, quase 18 mil pessoas perderam a casa, só em Atenas, e vivem agora em carros, tendas ou quartos alugados em pensões. Fora as que dormem na rua.
Na fila da “sopa dos pobres” há muitos sem-abrigo, mas também há os que ainda têm casa e, para a conseguir pagar, deixaram de ter dinheiro para comer, conta ao Expresso um dos funcionários.
A grande maioria não aceita falar. Olha para o chão ou desvia a cara quando se aproxima um jornalista. “Alguns até são agressivos quando veem uma câmara de televisão. Estão cansados”, adianta o voluntário. Cansados de repórteres que nesta altura, como há cinco meses quando se realizaram as eleições, encheram a cidade. Cansados de estar nas bocas do mundo e de explicar como perderam o que tinham e chegaram até aqui.
Só os imigrantes não parecem importar-se em prestar declarações. Estão no fim da linha, são os mais pobres de entre os pobres. “Não temos trabalho, não temos onde dormir, não temos o que comer, não temos direito a voto, nem a mais nada”, conta um iraquiano de 35 anos, há dez a viver em Atenas.
“Ninguém quer ficar aqui. Viemos só para entrar na Europa e conseguir partir para um país mais rico, mas acabámos por ficar presos na Grécia, sem dinheiro para conseguir atravessar a fronteira”, conta, enquanto aguarda a sua vez para receber um bocado de pão.
Atrás de si, a bicha dos que vão buscar comida continua a aumentar. Entre o meio-dia e a uma da tarde, todos os dias, prolonga-se por vários metros, ocupando toda a rua. É bem mais comprida do que a fila de qualquer multibanco. É a espera mais triste de Atenas.
Joana Pereira Bastos