A Europa não está só a mudar de pele. Está a transformar-se. É cada vez mais evidente que coesão e solidariedade são palavras que ficaram pelo caminho. E que a estabilidade na visão alemã estará sempre à frente das preocupações com o crescimento dos países periféricos.
Os eixos do poder também se têm vindo a deslocar. O Parlamento Europeu continua a contar pouco. A Comissão, sob a liderança de Durão Barroso, eclipsou-se. Jean-Claude Juncker tenta agora tirá-la do baú para onde foi remetida. François Hollande, juntamente com Matteo Renzi, deu um ar da sua graça nas negociações com a Grécia. Mas é cada vez mais evidente que nada se faz contra a vontade do Eurogrupo e do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble. O Eurogrupo tornou-se mesmo mais decisivo que o próprio Conselho Europeu. Passou a determinar todas as grandes decisões económicas da União, desde a aprovação prévia dos orçamentos nacionais até à vigilância sobre a sua execução, passando pelos pedidos de ajuda. O Eurogrupo tem um presidente, o socialista holandês Jeroen Dijsselbloem, que não passa de uma correia de transmissão da vontade de Schäuble. O ministro finlandês das Finanças, Alexander Stubb, grita esfola onde o seu colega alemão diz mata. E os representantes dos países bálticos alinham pela liderança não-oficial do Eurogrupo.
Ora, Schäuble está mais do que convencido que a Grécia deve sair do euro. O choque contra Yanis Varoufakis deixou-o à beira de uma apoplexia. E não acredita que Alexis Tsipras cumpra o brutal pacote de austeridade que foi obrigado a assinar. Pensa que o fez apenas para tirar a Grécia do enorme aperto financeiro em que se encontra, mas sem nenhuma convicção, pelo que invocará tudo o que puder para não o aplicar. O papel que deu entrada na reunião do Eurogrupo, propondo uma saída temporária da Grécia do euro, veio da delegação alemã — e teve a sua concordância. Agora, vem dizer que será difícil encontrar uma solução para um empréstimo-ponte para a Grécia, de que o país precisa desesperadamente, no quadro do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF). E passa a bola para Atenas, defendendo que tem de ser Atenas a avançar com ideias para resolver o problema.
Schäuble e Tsipras não acreditam no acordo. O ministro das Finanças alemão quer a Grécia fora do euro. O acordo só adia o problema
Mesmo que existam efetivamente problemas legais para esse financiamento-ponte, o que há, em primeiro lugar, é uma enorme falta de vontade política de Schäuble e dos seus apoiantes no Eurogrupo para resolver o problema. Se Tsipras diz que assinou um acordo em que não acredita, Schäuble podia ter dito exatamente o mesmo. Schäuble quer a Grécia fora do euro, ponto final. E pensa que este acordo só adia o problema. Além disso, recusa qualquer discussão sobre os mecanismos que faltam ao euro. E tem razão, porque este euro beneficia a Alemanha e os países do norte e prejudica os periféricos do sul. Deutschland über alles. A Europa está a germanizar-se, sob a batuta de Schäuble. Não vai acabar bem.
Nicolau Santos
Opinião Expresso 18.07.2015