No final de agosto, 53,4% da área ardida total na União Europeia correspondia a território português. Nos últimos 35 anos, a área ardida em Portugal ultrapassou por 15 vezes a fasquia dos 100 mil hectares. Em 2003, quase 5% do território nacional emerso (incluindo ilhas) ardeu. Em 2005, quase 4%. Desde 1980 mais de 200 bombeiros foram imolados no combate aos incêndios. Trata-se de uma situação aberrante, que a bizarra expressão “época de fogos” torna ainda mais repugnante pelo véu de normalidade que pretende imprimir. Depois de romper com o seu império ultramarino, Portugal parece, agora, incapaz de exercer soberania sobre o seu magro território original. Décadas de migração para as cidades do litoral criaram a ficção de que existe um “interior” no retângulo luso. A interioridade, na verdade, é política e não geográfica. O país deixou que um território, antes totalmente humanizado pela agricultura, a silvicultura e a pastorícia, fosse substituído por terras não cadastradas de proprietários absentistas, ou mortos, colocando no lugar de uma agricultura de subsistência povoamentos imensos e negligentes de monoculturas de eucalipto e pinheiro-bravo. Ou matos, no mais total desalinho. Será um problema sem saída? Claro que não. Temos conhecimento e competência para desenhar as soluções. Elas passam por políticas públicas, que permitam a valorização do território, servindo as populações e criando oportunidades para as empresas. Ordenamento do território, reorganização da propriedade fundiária, florestas de uso múltiplo, primado da prevenção sem negligenciar os meios de vigilância e combate. Com as alterações climáticas em crescendo, cada atraso aumentará as perdas e os custos. É uma guerra que temos de vencer. Contra o desmazelo estratégico. Contra o pior de nós próprios.
Viriato Seromenho-Marques
Opinião DN 13.09.2016