A importância do Estado Social

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Os números recentemente divulgados sobre a pobreza em Portugal e reportados a 2013 são ainda mais reveladores de dois aspectos significativos: o primeiro refere-se á importância do Estado Social, pois que sem pensões, subsídios e abonos sociais a pobreza não ficaria pelos 19,5% da população, antes alcançaria quase metade da população (47,8%)! O segundo relaciona-se com a persistente fraqueza da nossa economia que não é capaz, só por si e pela via de redistribuição de rendimentos (designadamente dos salários), diminuir o fosso entre os que têm e os que não têm recursos suficientes.

Concentremo-nos, aqui, no primeiro ponto e analisemos o quadro baseado na informação do INE:

Para quem desdenha da importância do Estado Social, está aqui a prova do seu contributo notável para o combate à pobreza e aumento da coesão social e intergeracional, apesar das críticas que se podem e devem fazer à sua eficácia e à necessidade de repensar uma renovada moldura do contrato social.

Neste contexto da pobreza, é necessário realçar que se é certo que o Estado Social (a redistribuição) é função da economia (a criação de riqueza), o contrário também é verdadeiro. Ao retirar-se rendimento disponível às classes média e baixa, diminui-se drasticamente o consumo (a sua propensão marginal ao consumo é elevada) de bens quase todos cá produzidos e não importados. Logo agrava-se a recessão e o desemprego. O social deve ser fundamentalmente entendido como um recurso colectivo e não apenas como um custo.

Esta pobreza é uma pobreza de escolhas e de oportunidades. Aquilo a que se vem chamando a nova pobreza, designadamente pela via do desemprego e a pobreza potencial ameaçadora [precariedade] que paira sobre os estratos médios da população, e que crescentemente se vem juntando à pobreza geracional e à pobreza persistente (designadamente quando o desemprego é de longa duração).

De notar que o efeito na diminuição da pobreza por via das transferências sociais que não pensões (subsídios de desemprego, doença, inclusão social, abono de família, entre outros) é, em 2013, ligeiramente inferior ao verificado em 2010. Ou seja, apesar do forte aumento do desemprego, a oferta de apoios sociais para esta eventualidade (e outras) reduziu-se em virtude da redução de prazos de concessão e de restrições ao seu acesso.

Já quanto às pensões, nota-se – no mesmo período 2010/2013 — um surpreendente aumento do contributo para a diminuição da taxa de risco de pobreza (de 17,1% para 21,1%). A principal razão terá origem no brutal aumento da pobreza antes de transferências (5,3 pontos percentuais). Por um lado, a degradação nas pensões terá sido menor do que, por exemplo, nos rendimentos de trabalho. A maior transferência (em termos relativos) das pensões terá resultado não do aumento do valor das pensões (na maioria, congeladas ou diminuídas), mas do aumento do número de pensionistas acima do limiar da pobreza considerado. Ou seja, da passagem de funcionários para a aposentação e da aceleração (depois suspensa) das reformas antecipadas na Segurança Social. Além disso, o aumento da esperança de vida dos pensionistas e a sua renovação por valores de pensão superior em virtude da crescente maturidade do sistema público de pensões terão contribuído decisivamente para explicar aquela evolução.

Uma última nota: o INE manteve o critério técnico europeu que considera a linha de pobreza relativa correspondente a 60% da mediana da distribuição dos rendimentos monetários líquidos por adulto. Havendo uma retracção dos rendimentos líquidos, a mediana tinha vindo a diminuir nos últimos anos (a excepção foi 2013, em que aumentou ligeiramente de 4 906 euros para 4 937 euros, ou seja, de 409 euros para 411 euros em termos mensais). Tal situação ao diminuir o valor da mediana tem, como efeito estatístico, passar-se de pobre a não pobre, no intervalo de variação do limiar de pobreza.

Por isso – e bem – o INE anexou um cálculo mais realista considerando uma linha de pobreza ancorada em 2009 e actualizada nos quatro anos seguintes com base na variação do índice de preços no consumidor (IPC). Em vez do valor da mediana de 4937 euros (411/mês), o limiar de pobreza relativa seria de 5639 euros (470/mês). Verifica-se, neste método, que o aumento da proporção de pessoas em risco de pobreza ao longo dos cinco anos em análise, passa de 17,9% em 2009 para 25,9% em 2013. E que, em 2013, a taxa de risco de pobreza relativa passaria dos “oficiais” 19,5% para 25,9% (mais 6,4% da população).

Bagão Félix

http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/ 10.02.2015