Isabel Jonet tem alguma razão. Mas pecou por só ter visto um lado – o seu. Já nos habituámos ao estilo rainha Maria Antonieta, sobranceiro face à pobreza. Conheço hoje o tema com alguma profundidade, posso dizê-lo. É verdade que o desemprego estrutural, e os baixíssimos salários, deram origem à criação massiva de programas assistencialistas que colocaram em situação vegetativa uma franja das classes trabalhadoras que vive de esmolas – individuais, organizadas no fim da linha nos bairros por instituições privadas – ou organizadas pelo Estado (rendimento mínimo e suas diversas versões). Ou, o que é comum, um misto privado-público. Não sou contra que se ajudem todas as pessoas que precisam mas sou contra que se transforme um programa emergencial, de carácter de urgência, numa forma permanente de gerir a força de trabalho, garantindo uma bolsa de desempregados que sistematicamente pressiona o salário dos empregados para baixo.
É muito triste aliás verificar que hoje é mais comum as organizações de trabalhadores -com honrosas excepções – pedirem subsídios de diversa índole (inclui lay off e formação profissional) para combater o desemprego – usurpando recursos da segurança social – e não tenham um programa de luta pelo pleno emprego, redução do horário de trabalho, sem redução salarial. Emprego com direitos para todos. O trabalho como um direito para todos e também como um dever – o esforço de produção da sociedade ser por todos dividido, e não levar uns à exaustão dos longos horários de trabalho e outros à paralisia social do desemprego.
Chamar porém a esta situação “profissionais da pobreza” é obviamente um falta de decoro, uma brincadeira de péssimo gosto, trata-se de pessoas, as nossas pessoas, marginalizadas pela competitividade dos baixos salários e do desemprego, atiradas para situações de mera sobrevivência biológica.
Mas há do outro lado, algo que configura sim “profissionais da pobreza”, pessoas cuja venda da força de trabalho são realizados em espaços cuja existência depende de pobres. E quantos mais pobres melhor. Porque a pobreza é hoje também – em alguns casos – uma forma de gerir privadamente recursos públicos – bairros sociais, cantinas sociais, creches e lares, e um sem número de serviços hoje só existem porque existem…pobres. É a economia social, na sua vertente mais perversa, que aliás o Millennium BCP mandou estudar para ver a sua “potencialidade”, ou seja, quanto se ganha com a pobreza. Conclui-se algo em torno de 5 % do PIB de “potencialidade com a pobreza”. Inclui a gestão de força de trabalho – um exército de profissionais na área – e de alguns milhares de instituições privadas, juridicamente sem fins lucrativos, mas das quais depende uma economia com “alta potencialidade” lucrativa. Os exemplos, menos escabrosos repetem-se por exemplo no facto de não haver uma política de habitação social – como um direito e pilar do Estado social – mas um esquema de arrendamento de quartos a pensões para sem abrigo, ou no facto de de um lado cortar-se nas reformas e no outro abrirem-se lares comparticipados de qualidade altamente duvidosa. Há exemplos mais escandalosos como o facto de 3/4 dos alimentos do Banco Alimentar serem gestão de excedentes, ou seja, a comida para não baixar de preços é doada.
É bom lembrar nesta discussão – embora um certo paternalismo de esquerda nos tenha feito esquecer isto – que só os ricos…gostam de pobres.
Raquel Varela